quinta-feira, 21 de abril de 2022

 Positivismo contraria a existência de mulheres na vida pública


“Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam o feminino.” Essa famosa e polêmica frase da existencialista Simone de Beauvoir retrata a influência da socialização na construção do que é ser mulher na sociedade, isto é, demonstra que a mulheridade não advém de uma essência feminina inata, mas de um conjunto de fatores sociais. Esta é uma afirmação importante para a emancipação feminina, já que se as mulheres não são regidas por uma essência maternal, reclusa ao lar e de recatamento, devem buscar romper essas barreiras, como, por exemplo, através da inserção na política institucional. Em contrapartida com essa lógica de negar uma essência natural, o positivismo a reitera e a legitima através do entendimento de “física social”: assim como os conhecimentos físicos e matemáticos, a sociedade seria regida por leis naturais invariáveis. Transportando esse pensamento no que tange às mulheres no panorama atual, estas seriam regidas por leis fixas e, portanto, não deveriam buscar subverter tal ordem natural. 


Augusto Comte afirma que “o espírito humano, reconhecendo a impossibilidade de obter noções absolutas, renuncia a procurar a origem e o destino do universo, a conhecer a causa mais íntima dos fenômenos, para preocupar-se unicamente em descobrir, graças ao uso bem combinado do raciocínio e da observação, suas leis efetivas, a saber, suas relações invariáveis de sucessão e similitude.” Então, seguindo essa descrição positivista, pode-se observar que historicamente há muito mais homens dominando a arena política do que mulheres. Pode-se observar que no Brasil, pouco mais de 10% dos deputados federais são mulheres (de acordo com dados de Inter Parliamentary Union). Será por que as leis da natureza, que são invariáveis, determinam que lugar de mulher não é na política? Ou será por que há séculos as mulheres são barradas da vida pública? Sob um viés imediatista social, ou seja, positivista, em que não se busca as raízes dos problemas sociais e sim a mera observação, seria porque de fato o lugar de mulher não é na política.


Além disso, a ideologia positivista preocupa-se com a centralidade da moral e acredita na existência de uma moral universal. Comte, no contexto de revoluções industriais, Primavera dos Povos e efervescências sociais típicas da primeira metade do século XIX critica o “cego ardor de emancipação mental”: “a antipatia crescente que o espírito teológico inspirava justamente à razão moderna afetou gravemente muitas importantes noções morais, não somente relativas às maiores relações sociais, mas também concernentes à simples vida doméstica, e até mesmo à existência pessoal." Tal pensamento também reitera a exclusão feminina da vida pública institucional, já que ocorre necessariamente através de um viés emancipatório.

Também, para os positivistas, ordem e progresso são duas condições fundamentais para a civilização e, inclusive, a própria noção de felicidade e solidariedade deve servir a essas. De acordo com o positivismo, a idéia de felicidade deve ser vinculada ao bem público e se sobrepor ao parâmetro pessoal do que é ser feliz, bem como a solidariedade, que não é um sentimento fraternal, mas sim uma ligação de cada um com todos, com objetivo de manter-se a ordem e o progresso. Dessa forma, no que concerne à condição social e política da mulher na atualidade, a chamada “sororidade feminina” e o próprio feminismo não seriam bem-vindos, visto que trabalham a solidariedade fraternal com objetivo revolucionário e emancipatório para dar um fim a ordem patriarcal atual e a noção do que é progresso, que é às custas da exclusão dessas.

Por fim, no positivismo há a ideia de harmonia social fundada no cumprimento de papel prescrito pela moral, ou seja, a prescrição, a cada agente,de regras de conduta mais conformes à harmonia fundamental. O patriarcalismo e a noção de essência feminina prescrevem a todas as mulheres seus papéis sociais a fim de manter-se o próprio patriarcado, como o papel de mãe, de esposa, de recatada. Dessa forma, a noção de que de fato há a necessidade de cumprimento de um papel social para atingir-se uma moral universal pode legitimar ideias machistas e essencialistas e afastar mulheres de sua emancipação, como, por exemplo, atingindo a vida pública na política.


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