quinta-feira, 24 de março de 2022

A natureza pela ciência humana

 Beatriz Grieger

Turma XXXIX – matutino

  No filme ‘’O Ponto de Mutação’’ de 1990, uma das personagens principais, Sonia Hoffman, cita uma ‘’crise de percepção’’ que assola a contemporaneidade e que, consequentemente, impede que os problemas enfrentados pela humanidade, como questões relacionadas à mortalidade infantil, saúde e destruição do meio ambiente,  sejam solucionados. Tal crise consiste na objetivação de intervenção nos problemas e não em sua prevenção, fazendo com que eles persistam constantemente e não sejam realmente elucidados de forma definitiva. Entretanto, esta crise não é apenas um fenômeno contemporâneo, mas também moderno e questionado por filósofos como Descartes e Bacon no século XVII.

  Em sua obra ‘’Novum Organum’’, Francis Bacon ressalta a necessidade de criação de um novo método científico que seja racional e permita a apreensão do real para uma possível transformação do mundo, em contraponto com a filosofia antiga grega, como de Aristóteles, que era baseada na contemplação da realidade sem a objetivação de sua transformação, ou seja, Bacon propôs uma crise de percepção entre a ciência da antiguidade e a da modernidade em relação à sua utilidade. Para o filósofo moderno, esta nova ciência possibilitaria a intervenção e modificação da natureza pelo homem proporcionando o desenvolvimento que era almejado pela burguesia da época, porém para Sonia Hoffman esta intervenção seria maléfica, pois teria possibilitado uma tortura do planeta pelo homem que persiste atualmente, gerando, por exemplo, a destruição da Floresta Negra do sudoeste da Alemanha.

  Assim como Bacon, Descartes cita a necessidade de produção de um conhecimento que seja útil em sua obra ‘’Discurso do Método’’: ‘’ ... apesar de no juízo que faço de mim próprio eu procuro inclinar-me mais para o lado da desconfiança do que para o da presunção, e que, observando com um olhar de filósofo as variadas ações e empreendimentos de todos os homens, não exista quase nenhum que não me pareça fútil e inútil, não deixo de lograr extraordinária satisfação do progresso que creio ter feito na procura da verdade e de conceber tais esperanças para o futuro que, se entre as ocupações dos homens puramente homens exista alguma que seja solidamente boa e importante, atrevo-me a acreditar que é aquela que escolhi.’’ Ou seja, a ‘’crise de percepção moderna’’ é, assim como para Bacon, objeto de estudo e crítica para Descartes que exprime a necessidade de uma razão instrumental como uma nova maneira de entender a vida acarretando, para Sonia Hoffman, o que ela denomina como ‘’ visão mecanicista do mundo’’ que seria comumente adotada por políticos em seus discursos e soluções, porém que nada serviria para a resolução dos problemas enfrentados pelo mundo, o qual, para Descartes funcionaria como uma máquina, tal qual o corpo humano. Entretanto, para a personagem, a ciência atual já teria superado essa visão mecanicista, gerando a necessidade de uma revolução em seu método, a qual seria a forma possível de superar a ‘’crise de percepção’’.

  Observa-se, portanto, que diferentes contextos e épocas provocam a necessidade de novas ciências que sejam úteis para os problemas enfrentados em cada período. Assim como os filósofos pré-socráticos observavam o mundo com o intuito de descobrir sua origem e composição, como Aristóteles refletia sobre questões metafísicas, Descartes e Bacon sobre razão instrumental e métodos científicos para atender os problemas da burguesia em ascensão, Sonia Hoffman defende a necessidade atual de uma ciência pós-moderna que possibilite a superação de problemas gerados pela ciência moderna, mecanicista e puramente utilitária. Cada uma dessas ciências relaciona-se de diferentes formas para com a natureza: as duas primeiras a contempla, a próxima a usa a transforma e a terceira a salva e reconstrói. 



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