sábado, 20 de novembro de 2021

A mobilização do Direito e a luta LGBTQIA+: Uma análise da Medida Cautelar em suspensão de limiar 1.248 Rio de Janeiro

                 Visando uma análise contundente e direta sobre o fenômeno da mobilização do direito calcada nos princípios sociológicos postos por McCann, é de suma importância efetuar a observação da decisão judicial do Ministro Dias Toffoli referente à deliberação da presidência do TJRJ, responsável por suspender a sentença do Desembargador Ribeiro Pereira Nunes que decidiu por inconstitucional a retirada de materiais específicos e a suspensão do evento da Bienal do Livro do Rio de Janeiro.

            Em um primeiro momento, cabe observar que a decisão efetuada sob a gestão de Marcelo Crivella no Rio reserva caráter exclusivo de apoio a sua base eleitoral, uma vez que em meados de 2019 – ano em que o evento citado ocorreu – o prefeito já apresentava uma gestão municipal pífia, com índices de desenvolvimento econômico e sociais patéticos e com sua relevância eleitoral caindo aos pedaços.

            Na busca por um último suspiro que ascendesse o farol de alerta de seus eleitores com discursos conservadores e moralizantes, o prefeito decidiu por tomar uma decisão que imaginou não ter repercussões jurídicas graves – o que em plena verdade, foi o exato oposto ao que de fato ocorreu.

            A partir do momento em que a pauta sobre a censura de livros que trouxessem uma abordagem da comunidade LGBTQIA+ para a vida cotidiana de heróis ultrapassou a esfera da opinião e atingiu caráter judicial formal, houve em escala nacional mobilizações contra e a favor de tal pauta, fortalecendo aquilo que McCann chama de “contramobilização do Direito”. Segundo tal princípio, a judicialização de determinado conflito que é capaz de opor duas visões diferentes acerca de um mesmo tema eventualmente acaba por fortalecer o discurso dos que são contrários à decisão tomada em um tribunal, como se pode observar no caso em questão com a relevância midiática incomum dada a políticos de caráter conservador após o evento ocorrido em 2019.

            Vale perceber também que em um contexto em que a magistratura detém a função de resolução de conflitos de ordem social, a decisão do STF acerca do caso da Bienal enquadra-se perfeitamente nas dimensões estratégica e constitutiva propostas por McCann, uma vez que além de abrir precedentes por meio da decisão de Toffoli no Supremo Tribunal, ele também formata a visão de mundo da sociedade a partir de determinado ponto cultural, evidenciando que medidas de descriminação não mais serão toleradas.

            Por fim, vê-se no caso analisado um claro exemplo de mobilização coletiva do Direito, visto que em um processo de formalização de um conflito social para a esfera jurídica tem-se a mudança de paradigma e a efetivação de direitos de uma determinada comunidade que há tantos anos luta por reconhecimento e por respeito. Em uma tentativa de obscenizar o normal, a prefeitura do Rio de Janeiro acaba por dar um tiro no próprio pé, levando ao campo dos “cachorros grandes” uma questão até o momento sem tanta evidência no debate nacional. Em uma tentativa frustrada de afogar uma pauta social, o que se observa no caso analisado é a frustração de ideais de ódio e a amplificação da igualdade, dignidade e fortalecimento de um grupo excluído por meio da via judicial.

A efetivação do direito conforme o interesse vigente.

            A mobilização do direito, de acordo com McCann, ocorre quando o interesse ou valor de certo grupo acarreta em demandas, as quais se fazem necessárias o assentamento de direitos. Assim, o autor disserta de que forma as práticas legais utilizadas por movimentos sociais podem influenciar na efetivação da estratégia de ação coletiva, resultando em mudanças sociais e institucionais. Ademais, é exposto o poder que os tribunais exercem em suas decisões que, frequentemente, são seletivos e atribuem níveis de importância consoante ao interesse vigente. Tal proposição indica que dependendo de como é julgado, podem haver prejuízos a sociedade.
            Tendo em vista isso, é possível citar a ação direta de institucionalidade que tem como conteúdo a denúncia de que pela jurisprudência antes da criação do art. 140, §3o, do Código Penal havia a diferenciação entre injúria racial e racismo. Tal fato causou a problemática de impunidade às ações racistas por muitos anos, uma vez que eram classificados como injúria racial “não racista”, e assim não acarretava em punição. Além disso, essa impunidade reafirma ainda mais o racismo estrutural e institucional que atinge a sociedade brasileira. No entanto, em outubro de 2021, o Supremo decidiu que quem cometer o crime de injúria racial está sujeito a punição prevista em lei.
            A partir disso, fica explícito como a mobilização do direito atua, anterior a tal ação ser promovida na Suprema Corte, apesar de seu notável crescimento, os movimentos negros não eram aparentes, por muito terem sido silenciados. Contudo, com sua atual relevância em mobilizações de luta contra o racismo, tornou-se valor e interesse de um grupo para efetivar direitos que por muitos anos foram impunes e silenciados.
           Portanto, o tribunal exerce grande influência na sociedade, é através dele que os avanços político-social são concretizados, visto que podem catalisar as ações. No entanto, infelizmente, não é o que ocorre com frequência, pois nem sempre esse dá o enfoque necessário em questões importantes, como essa da injúria racial. Só após de muitas atitudes racistas impunes e movimentos sociais, para que se iniciasse a mobilização do direito. Por isso, é como McCann descreve “(...) influência dos tribunais é menos direta e menos linear, e não está sujeita a análises causais. Mas o seu poder indireto ainda é muito fundamental. Em resumo, os tribunais são importantes por configurarem o contexto no qual os usuários da Justiça se engajam em uma mobilização do direito”. (p.183)

Luana Silva Araújo Souza - 1°Ano Direito Noturno

Transgenitalização e a importância dos tribunais

Em busca da realização de seus interesses e valores, os indivíduos ou grupos sociais mobilizam o direito. Os tribunais se tornaram tão influentes nos regimes modernos devido a uma Constituição abrangente, que abarca diversos direitos aos cidadãosPorém, diferente do que se pensa, os tribunais não são agem, somente reagem, reagem aos pedidos dos atores sociais que demandam a efetivação de seus direitos. Nesta reaçãoos tribunais [...] exercem poder, e suas escolhas são muito importantes para o funcionamento de um    regime político.” (McCann, p. 181). Portanto, os tribunais não são o foco, e sim os sujeitos sociais.  

Dessa forma, podemos analisar a petição, realizada na vara do juizado especial da fazenda pública da comarca de Jales, em que foi concedida a cirurgia de transgenitalização pelo SUS, e foi demandado que o Estado de São Paulo deve fornecer todos os meios para que a parte-autora possa submeter-se à cirurgia. Também foi concedido a mudança de nome e dos documentos da parte-autora.  


Ao deferir esta petição, o juiz não está somente efetivando um direito constitucional, o direito à liberdade, já que “Permitir, pois, que o transexual viva, em plenitude, a sua vida, significa dar-lhe liberdade. Dar-lhe liberdade é desaferrar-lhe das amarras que o evitam ser feliz.” (Petição, p. 26), mas também está expandindo os direitos fundamentais, fazendo uma norma mais inclusiva, que permite a aquisição de novos direitos fundamentais, e além disso, está fornecendo recursos para a estratégia de ação, “Os precedentes legais construídos judicialmente influenciam não apenas os termos das relações, mas também toda a formulação de demandas particulares, para intensificar as disputas e até mesmo negociá-las.” (McCann, p. 185), ou seja, dando um instrumento a mais para os movimentos sociais.  


Portanto, o tribunal, ao conceder o direito a realização da cirurgia de transgenitalização pelo SUS, não está somente garantindo um direito constitucional, mas também está utilizando o direito para um aprofundamento democrático, não o deixando só para as elites. Além disso, está possibilitando recursos para que os movimentos sociais se fortaleçam.  


IZABELLA DUARTE DE SÁ MORILLO - 2° SEMESTRE - DIREITO - MATUTINO

ADPF "das favelas" e a mobilização do direito.

         Michael McCann define brevemente a mobilização do direito como ações de indivíduos grupos e organizações em busca de seus interesses e valores. Estes tipos de ação se revelaram como novos "instrumentos" de movimentos sociais, políticos e até das elites organizadas de conseguirem seus objetivos sem necessidade de lidar com os empecilhos da disputa eleitoral. Tais ações são possíveis e extremamente favoráveis no caso brasileiro pela sua constituição ter um grande caráter "garantista", em que praticamente qualquer pauta social, quando proposta com boa argumentação jurídica, pode ser enquadrada em algum preceito fundamental já existente. Em poucos casos esta mobilização foi tão visível e frutuosa para seus proponentes como no caso da ADPF 635, proposta pelo PSB em 2019, que veio a ser batizada de "ADPF das favelas".

        Esta ADPF, elaborada em conjunto com diversos movimentos sociais de favelas e comunidades carentes cariocas, questionava a legalidade de alguns decretos do governo carioca acerca das intervenções policiais em favelas. Principalmente questionava os mandados de busca "coletivos" e o uso de helicópteros como plataformas de tiro, alegando que causavam terror psicológico aos moradores e que a intervenção policial em si colocava os moradores no "fogo cruzado" e portanto interferiria com seu direito à vida e segurança. Não houveram grandes movimentações no processo até o ano de 2020, quando seu relator no STF concedeu liminar favorável em resposta a um requerimento de mesmo autor e mesmo ano dentro da ação que pedia o fim de ações policiais nas favelas cariocas até o fim da pandemia de Covid. 

        Após as vistas dos outros ministros foram também julgadas as medidas cautelares, onde ficou proibido o uso de helicópteros "armados", somente podendo ser usados para observação ou acompanhamento das operações em terra. A necessidade de manutenção da cena do crime e perícia da polícia científica para qualquer morte decorrente de ação policial, pois haviam acusações de que os policiais sob pretexto de socorrer os baleados desfaziam a cena do crime e impossibilitavam a perícia. A proibição de operações policiais, salvo em caráter excepcional, nas proximidades de escolas, creches e hospitais dentro de comunidades.

        Este caso ilustre da mobilização do direito por parte dos movimentos sociais e partidos de esquerda é não só um representante deste movimento de mobilização mas também um exemplo do reino inconteste das instituições judiciárias sobre a sociedade brasileira. Especialmente neste caso e neste tema, onde há meros 15 anos era retratado no grande sucesso de bilheteria "Tropa de Elite I" como uma pauta de maconheiros playboys da UFRJ responsáveis em parte pela morte de um protagonista do filme e xingados de "bando de burguês safado" por outro. De nada valeu a rejeição social por estas pautas, traduzidas na bilheteria histórica do filme, bem como na votação expressiva do governador Witzel, até então desconhecido, que trouxe como plano de governo o endurecimento no combate ao crime organizado. Todas falharam ao serem defrontadas com a pena dos magistrados federais, um movimento interessante e inédito do ponto de vista político-institucional que vem ganhando corpo desde os anos 2000 que serve também como um instrumento e catalisador destas mobilizações sociais do direito pelos mais diversos grupos.


Rafael C M Martinelli / Direito / Noturno / 2o SEM