sábado, 6 de novembro de 2021

Títeres do Judiciário

 

Termo utilizado por Freud para explicar a terceira e última instância do aparelho psíquico, o “superego” é tido como responsável pela imposição de padrões, normas e sanções. É, portanto, uma referência moral, bem como os Tribunais para a sociedade, segundo a autora alemã Ingeborg Maus. Ocorre que, o excesso dessa onda de confiança no aparato judiciário, traz pontos positivos e também negativos, muitas vezes cerceando a soberania popular, juntamente com a sua autonomia intrínseca.

Existem claras semelhanças entre os tribunais da Alemanha e os do Brasil, assim como de seus respectivos grupos sociais. Este padrão de sociedade órfã, carente de colo, amparo, estimula a expansão das atividades desse Judiciário, que, teoricamente e constitucionalmente, só atua quando provocado, não tendo liberdade ilimitada e só podendo agir de acordo e sob o manto do Estado Democrático de Direito. Apesar do termo “judicialização” remeter a um ideal de protagonismo dos tribunais, é sensato relembrarmos o poder da história que está sendo contada e o que ela reflete no plano concreto. A redemocratização trazida pela Constituição Federal de 1988, nossa Constituição Cidadã, procurou incumbir ao povo mais direitos e garantias fundamentais, ampliando e sedimentando valores antes não reconhecidos, como a igualdade.

A ausência de um suporte adequado e realmente justo e eficaz, que ao invés de enredar os ditames sociais, reafirma-se constantemente, corrobora grandemente para uma crise de representatividade, fragmentando partidos políticos e a própria coletividade social. Cabe salientar como exemplo e, de acordo com o site jurídico denominado Conjur, reportagens e publicações de fácil acesso virtualmente, que é de conhecimento e repercussão geral a decisão de absolvição do acusado de estupro de Mariana Ferrer: “Os desembargadores da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Santa Catarina confirmaram, por unanimidade, a absolvição do empresário André de Camargo Aranha, acusado de estupro de vulnerável pela promotora de eventos Mariana Borges Ferreira — conhecida nas redes sociais como Mariana Ferrer”.

Infelizmente, ainda é necessário que o óbvio seja reiteradamente dito: a referida decisão não compactua, de maneira alguma, com os anseios sociais e, principalmente, com a árdua luta de meninas e mulheres pelo respeito e tratamento igualitário, mesmo que isso ainda signifique lutar pela própria existência, sobrevivência, num país retrógrado e detentor de profundas chagas sociais. O excessivo paternalismo dos tribunais nem sempre é inclusivo e condiz com nosso texto constitucional, não mostra-se como um pai presente que abraça a mãe, mas um que a afasta e a machuca. Apesar de mostrar-se necessária a “historização” da norma, ou seja, que ela tenha participação no momento atual, bem como o ideal de juiz preparado e detentor de um olhar futuro, para que assim consigamos alcançar uma justiça do futuro, não há como nos imaginarmos tão longe se nos falta o agora. Somos carentes do agora. Somos os títeres de um poder que nós mesmos inventamos e nos submetemos. A decisão do caso Mariana Ferrer não traduz a minha história e espero que a sua também não. Se realmente enxergamos um pai, representado pelos tribunais, é adequado que seja um que saiu e nunca mais voltou; que talvez volte amanhã.

Júlia Nogueira Orricco – 1° ano de Direito – Noturno

 

Fontes:

https://www.psicanaliseclinica.com/o-que-e-superego-conceito-e-funcionamento/

https://www.conjur.com.br/2021-out-07/tj-sc-confirma-absolvicao-acusado-estuprar-mariana-ferrer

 Cirurgia de transgenitalização pelo SUS decidida pelo Juiz de Direito: não outras formas se não essa?

Há oito anos, a Justiça de Jales (SP) determinou, por meio do Juiz de Direito Fernando Antônio de Lima, que a Fazenda Pública Estadual de São Paulo fornecesse todos os meio materiais para que a transexual P.D.S realizasse uma  cirurgia de mudança de sexo, a chamada cirurgia de transgenitalização. Esse ocorrido pode ser relacionado com a obra da socióloga alemã, Ingeborg Maus, cujo nome do livro é o judiciário como superego da sociedade: o papel da atividade jurisprudencial. Porque a partir dessa tomada de decisão, percebe-se como se colocou o judiciário brasileiro para além de suas funções.

Quando se analisa esse caso de 2013, envolvendo uma mulher transgênero, a qual buscou por meios judiciais uma maneira de completar a transição de sexo, é possível retirar um substrato de como está a situação do judiciário brasileiro, de como estão as questões do país, no que tange a concretude da Constituição Federal de 1988 e da maneira que estão agindo aqueles apossados de cargos no poder legislativo.

Primeiro, diante desse episódio, é importante averiguar a atuação do judiciário brasileiro ultrapassando sua função de mediar conflitos entre os cidadãos, entidades e o Estado. Por mais que pareça contraditório, afirmar que esse poder foi para além de sua capacidade primária, pois se trata de uma dificuldade entre uma cidadã e órgão públicos, na qual se necessita uma decisão. Nota-se como atualmente o país colocou nas mãos dos magistrados uma responsabilidade, que não deveria lhes caber.

O dever, desde os juízes de primeira instância até o inteiro corpo de magistrado que compõe o STJ, STF e outros órgãos que funcionam no âmbito da União e dos estados é resguardar a Constituição Federal. Contudo, trazendo as observações da  socióloga Maus, ocorre um infantilismo em questões referentes à cidadania, no qual se traduz em exigências cobradas pela sociedade civil para com o judiciário, por justiça social e proteção ambiental - à exemplo. Sendo que tais demandas deveriam ser pressionadas em outras esferas como legislativo e o executivo.

Porque, é nesses poderes que está o cargo de refletir a sociedade atual e desenvolver uma legislação que a contemple -  no caso do legislativo. Bem como o executivo, por meio dos ministérios efetuar projetos que garantam a segurança da democracia, de forma que seja executado aquilo que é previsto pela Constituição Federal de 1988, feito o princípio da dignidade humana - art. 1a, III -.  Sob essa premissa, no caso desse pedido de cirurgia de transgenitalização pelo SUS cuja decisão coube ao juiz Fernando é uma maneira de constatar como a lógica está invertida, e de como não se cumpre os direitos estabelecidos pela Carta Magna. 

Ainda que muitos temas ainda sejam tabus, para uma sociedade conservadora e preconceituosa como é a brasileira, é urgente que seja aplicado aquilo que é estabelecido como um direito. Como no caso do princípio da dignidade humana o correlacionando com o da mulher trans, houve uma negação desse direito para essa mulher. Assim, colocou-se seu corpo como um alvo de ataques, de humilhações por ela ser quem é. Não se pode escolher a quem o direito atua, dessa tal modo percebe-se que o legislativo não move-se com projetos de leis que acolham essas necessidades - como o caso da transexual P.D.S -, não há um espaço justo dentro da câmara dos Deputados, nem do Congresso Nacional para escuta ativa e construção de direitos para grupos marginalizados como os LGBTQ+. Por consequente resulta-se nisso, uma mulher que buscou durante anos uma forma de realizar a transição completa de gênero, implicando que sem nenhum aparato real que pudesse agilizar esse processo. Viu-se em situações que causaram a ela um constrangimento imensurável e dor. 

Logo, conforme prevê Maus, cabe a competência do Tribunal, o qual submete outras instâncias à sua interpretação e libera-se a si próprio das regras constitucionais. De forma que, nesse caso em especial, o juiz pautou-se em uma construção baseada no ordenamento jurídico aliado com uma análise dos direitos humanos. Porém, é com cautela que se deve analisar tal situação, pois em razão da má gestão ou quase ausência de competência dos outros poderes, utiliza-se do judiciário para construção de valores e fins constitucionais, que ultrapassam a si. Sendo lamentável a forma que está vigente a construção de uma democracia nesse país, em que há uma necessidade buscar por meio da Justiça, artifícios que assegurem e validem sua existência e tudo que nela está intrínseco. 


Isabella Uehara  - 2a semestre/Noturno 

A magistratura do sujeito como asseguradora de direitos fundamentais

A partir do avanço do neoliberalismo e do recorrente abandono do bem-estar social na contemporaneidade, que resultaram na vulnerabilidade e na fragilidade dos indivíduos, o jurista francês Antoine Garapon aponta o surgimento da “magistratura do sujeito”, fenômeno que se caracteriza pelo resgate às pessoas - que se encontram desamparadas pelas políticas sociais - proporcionado pelo Estado e seu sistema de justiça. Através disso, ainda de acordo com Garapon, ocorre a judicialização, já que, quando acionados, os tribunais do poder Judiciário se vêem na posição de protagonistas, servindo como meios de resoluções de conflitos que vão além dos quais deviam lhes competir, justamente por terem que suprimir as omissões das vias convencionais.

Assim, num cenário em que as magistraturas tradicionais, como, dentre outros, a própria família, a religião e a moral, se distanciam dos sujeitos, estes buscam a magistratura do Direito para auxiliá-los em suas demandas. Nesse sentido, por exemplo, em detrimento da falta de suporte oferecida pelo sistema de saúde, numa ação de obrigação de fazer, julgada pelo juiz Fernando Antônio de Lima em 2013 e movida em desfavor da Fazenda Pública do Estado de São Paulo, a parte autora, uma mulher transexual, pediu, em tutela antecipada, pela cirurgia de transgenitalização e pela alteração do seu nome e sexo - modificando de masculino para feminino - em seus documentos e registro civil.

Além de toda a dor, preconceito e constrangimento, a requerente passou por tratamentos psicológicos e psiquiátricos por anos, que asseguraram a sua transexualidade e disposição em realizar a cirurgia de mudança de sexo, tendo em vista todo o seu sofrimento, envolvendo depressão e pensamentos suicidas, e a clara identificação com o gênero feminino - tanto que foi submetida à utilização de hormônios. Com base nisso, na jurisprudência e na legislação, principalmente nos princípios constitucionais de identidade, liberdade, igualdade, privacidade, intimidade, dignidade da pessoa humana e proporcionalidade - este último que enseja a proibição da proteção insuficiente, ligada às omissões inconstitucionais -, a tutela antecipada foi julgada procedente e o juiz concluiu, brilhantemente, que o Estado deveria arcar com as custas e a realização de todos os pedidos requeridos, de forma a amparar e assegurar os direitos da autora.

Pautado nesses pressupostos, fica evidente a importância dada à figura do Judiciário no contexto atual, que tem o dever de atender aos chamados da população e é capaz de obrigar os demais entes a agirem das formas cabíveis, mesmo que isso signifique expandir sua área de atuação. Este fato, no entanto, não deslegitima a democracia, tendo em vista que, por mais que as consequências práticas derivem das decisões dos tribunais, as questões, como a supracitada, são trazidas pelos próprios sujeitos - que, por sua vez, além disso, são representados pelas pessoas que tomam tais decisões e que criam as legislações.


Ana Eliza Pereira Monteiro - 2° ano Direito - Matutino

A tutelarização do sujeito, de Antoine Garapon

     A teoria da tutelarização do sujeito, do jurista francês Antoine Garapon, afirma que, diante de um individualismo crescente e da consequente perda de eficácia de convenções sociais, o Direito assume um papel de tutor moral, julgando necessário positivar essas coisas que antes eram cumpridas com a maior naturalidade. De fato, o caso malfadado do trote da Unifran¹ pode fornecer algum contexto a essas afirmações do autor.

     O que houve foi que um ex-aluno da Universidade convocava a todas as calouras presentes em uma festa a fazer – em resumo – um juramento de submissão sexual aos veteranos da UnifranOra, é claro que isso é idiota, para dizer o mínimo. Será que, por exemplo, os nossos avós chegariam a esse ponto de degeneraçãoeles que foram universitários há talvez uns quarenta anos? Mesmo nossos pais, fariam isso? A desagregação da moral que presenciamos ao longo das últimas décadas leva a absurdos como esse. 

     Mas o fato central aqui é o seguinte: o caso foi judicializado. Um moleque – porque se fez aquilo, não interessa a idade dele, é moleque – foi processado (!) por ter convocado as meninas àquele juramento. Não era para haver processo, simplesmente todo mundo deveria saber que isso não é para ser feito. Só que não sabe mais, aí o Direito tem que ficar se gastando com esse tipo de coisa. Ele "transforma-se então na moral por ausência"² – e tem gente que leva isso muito a sério. 


     Contudo, não quero dizer que desaprovo a decisão da juíza. Não acho que questões como essa devem ser levadas a julgamento. É óbvio que o negócio é nojento e revoltantesó não é esse o ponto aqui. Aliás, uma menina que estava presente disse que era  havia cantado a letra antes, mesmo quando namorava, e que isso jamais a levou a ser constrangida. Isso confirma o que eu disse: perdemos completamente a noção moral. Uma mulher nunca deveria dizer algo que a degrada daquela forma;  que dizpor que quer, como se não significasse nada.

 

     Será que o namorado dela tava junto? 



Rafael. M. P. Rosa de Lima - 2º semestre, noturno.  

 

¹ Processo Digital no: 1020336-41.2019.8.26.0196, TJSP, Comarca de Franca, 3ª Vara Cível.

² GARAPON, Antoine. O Juiz e a Democracia: O Guardião das Promessas. Rio de Janeiro: Revan, 1999  

Homens eternas crianças, mulheres sempre maduras.

  Antoine Garapon, jurista francês, defende em sua obra "O juiz e a democracia: o Guardião das Promessas" que em um mundo sem normas externas de comportamento, os sujeitos são condenados a interiorizá-las, sendo uma das características do direito a capacidade de antecipar todas as eventualidades. 

 No processo de número 1020336-41.2019.8.26.0196, a juíza do caso considerou improcedente a ação contra o réu que praticou uma conduta, que ultrapassou os limites da brincadeira, em um trote universitário. Sua ação reforçou o machismo e a cultura do estupro, colocando uma mulher em situação de inferioridades. Mas como isso se relaciona com as ideias do jurista francês? 

Vivemos em uma sociedade machista, na qual milhares de mulheres são mortas pelo simples fato de serem mulheres. "Brincadeiras" como as feitas durante o trote universitário, no interior de São Paulo, são responsáveis pela perpetuação de ideias machistas, dentro de uma sociedade que defende os homens e condena as mulheres. Basta olharmos para o nosso sistema penitenciário, as mulheres são julgadas tanto no âmbito penal quanto no âmbito social, perdendo apoio da família, as visitas nas prisões femininas são menores que nas prisões masculinas, porque, dentro de uma lógica machista e patriarcal o erro de uma mulher é dezenas de vezes mais julgado do que o erro de um homem. 

Enquanto mulheres tem que ser maduras o suficiente aos 12 anos de idade, homens de 45 anos são jovens demais e incapazes de responder por seus atos. Em um universo em que as normas externas de comportamento são ignoradas, os sujeitos deveriam interiorizar as normas e respeitá-las, fato que não ocorreu no processo analisado. O réu utilizou em sua defesa o fato de possuir mãe e de que sua irmã também estava participando do trote em questão, o grande ponto é que todos os homens tem mãe e isso não diminui a gravidade das falas proferidas e do ato realizado. No entanto, a juíza não levou isso em consideração ao proferir sua sentença e apesar de ser mulher, não se aliou a causa feminista e ainda falou mal do feminismo de da liberdade feminina em sua sentença. 

Além disso, segundo Garapon cada cidadão passa a ser o seu próprio legislador, devendo prever as consequências sociais de seus atos. (...) "pegar um veterano, que agiu como um folião ou personagem em uma peça teatral e fazê-lo um grande exemplo perante a sociedade é fecharmos os olhos para todo um sistema, toda uma herança cultural", a frase proferida no processo só reforça o quanto o réu não pensou na consequência dos seus atos e reforçou esteriótipos e frases de uma sociedade machista, que considera que a mulher deve se submeter às vontades do homens. 

Segundo dados do monitoramento "Um Vírus Duas Guerras",  ocorreu um feminicídio a cada nove horas entre março e agosto de 2020, com uma média de três morte por dia. A cada 9 horas, uma mulher perdeu a vida, pelo simples fato de ser mulher. Todos os dias, as mulheres sofrem dentro de uma sociedade machista, uma juíza alegar improcedente uma ação em que o réu proferiu um fala extremamente machista e misógina, só reforça o quão necessária o feminismo é e quanto os cidadãos não preveem as consequências dos seus atos, afinal se você for homem e branco, na maioria das vezes você não paga pelos seus erros.

Ellen Luiza de Souza Barbosa

Turma XXXVIII

Noturno

Qual o preço da busca individual por direitos nos tribunais?

 

O neoliberalismo surge como modelo econômico na década de 1980 e, junto a ele, ascendem inúmeros problemas. Tal sistema joga o homem numa situação de individualidade, em que ele se torna responsável pelas misérias de sua vida, enquanto ela deveria ser responsabilidade do Estado. Nesse ínterim, o indivíduo desamparado - mas consciente de seus direitos como cidadão -  muitas vezes não encontra outra alternativa a não ser buscar de forma individual tais direitos, como por exemplo, através do furto de alimento em prol da garantia do direito à vida. Toda essa luta vivenciada cotidianamente pelos indivíduos vulneráveis e desprotegidos das políticas sociais estatais, faz com que frequentemente eles acabem sendo acusados nos tribunais.


O texto “O Juiz e a Democracia: O Guardião de Promessas” (2002), do magistrado francês Antoine Garapon, ilustra sucintamente a situação supracitada que, à luz de sua interpretação, levou a um protagonismo dos tribunais na sociedade contemporânea. Segundo o jurista, o direito positivado, no contexto de seu surgimento, emerge consigo garantias sociais constitucionais aos cidadãos. Todavia, em meio a saída gradativa do estado de bem estar social e a consequente vulnerabilidade do indivíduo, surge a magistratura do sujeito,  isso é, o sistema judiciário indo em socorro dos indivíduos a partir do momento em que eles se veem desamparados pelos Estado e desprotegidos das políticas sociais.

Após essa análise acerca da judicialização contemporânea, é passível de análise o Julgado sobre o caso da moradora de rua que furtou 21,69 reais em alimentos de um mercado local. A paulistana desempregada encontra-se em situação de rua há 10 anos e foi presa em flagrante furtando dois pacotes de macarrão instantâneo, dois refrigerantes e um refresco em pó. Após ser convertida, a priori, a prisão preventiva, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Joel Ilan Paciornik, trancou o inquérito e determinou a soltura da mulher. Segundo o mesmo, “[...] os bens foram avaliados em R$ 21,69, menos de 2% do salário mínimo, subtraídos, segundo a paciente, para saciar a fome, por estar desempregada e morando nas ruas há mais de dez anos". Desse modo, tal decisão do ministro é um grande exemplo do papel político-social que o judiciário aborda nos dias atuais, atuando sob o viés da magistratura do sujeito, supracitada nas ideias de Garapon.

Nesse ínterim, quando as vias tradicionais - tais como parlamento, família, religião e moral -  não são capazes de amparar o indivíduo, a magistratura do Direito deve agir em prol de auxiliar esse sujeito, garantindo-lhe os direitos básicos. Assim, os tribunais exercem a função de aprofundar a democracia, visando reparar danos de um Estado que, na prática, não garante as políticas públicas sociais a todos os cidadãos, como estipulado em tese. O Julgado de Joel Ilan Paciornik reflete a luta por um direito mais justo, no qual juiz deve colocar-se no lugar de autoridade faltosa, objetivando autorizar uma intervenção nos assuntos particulares de cada cidadão, como bem pontuou Antoine Garapon.


Beatriz Ferraz Gorgatti - 1° ano Direito matutino

A MAGISTRATURA DO SUJEITO A LUZ DE ANTOINE GARAPON SOBRE JULGADO DE CRIME DE INJURIA RACIAL COMO RACISMO

 

O Brasil é um país que coleciona fatos muito curiosos que seriam muito hilários se não fossem trágicos, um ótimo exemplo a ser tratado na presente analise é o fato do Brasil ser um país com mais de 70% de sua população preta e parda e ostentar altos índices de racismo, que não são piores apenas porque esses dados são mascarados por outra piada, essa segunda jurídica que é a Injuria racial, tipificada no rol das injurias impõe a vitima obrigações e limitações que cerceiam a legitimidade de seus direito, como a obrigatoriedade da representação, a decadência do direito de representar e a prescrição do crime.

Em um primeiro olhar a criação da tipificação penal da Injuria Racial parece um avanço em face a luta por igualdade, mas na prática ela apenas respalda o crime de racismo, este imprescritível e inafiançável, que não precisa de representação da vítima se tratando de uma ação incondicional. Tratar racismo como injuria racial gera a impunidade ao agente uma vez que sua intensão é justamente a que deve se enquadrar como racismo e nesse viés houve a distribuição da presente demanda junto ao STF.

Essa necessidade da população negra ser protegida das distorções aplicadas na desqualificação do crime de racismo para o de Injuria racial se tornou uma luta social e a luz de Antoine Garapon a sociedade questiona o protagonismo dos tribunais através dessa correnteza de necessidades que demandam urgente reformulação, segundo o autor  pano de fundo da discussão é o neoliberalismo, que quer que o estado e sua estrutura de proteção saiam do caminho, saiam de cena para que as mazelas que o neoliberalismo trazem aos indivíduos não possam ter respaldo nem na politica tão pouco no judiciário, o que se mostra de fato verdade pois a negligencia com a questão do racismo não é colocada em pauta pelo governo atual, obrigando os indivíduos a irem num primeiro momento atrás da política partidária em busca dessa estrutura de proteção e depois que a politica falha, uma vez que já se encontra corrompida por ideologias muitas vezes propriamente liberais, restando ao judiciário esse socorro as pessoas, e especificamente a essa demanda.

Segundo Antoine Garapon essa tarefa é incumbida ao judiciário e o coloca em uma situação onde ele não pode atuar como um mero espectador ou selecionador de leis de um código e sim precisa aplicar as leis de forma humanizada e analítica, uma vez que tecnicamente o direito pode não suprir a demanda pleiteada se utilizando apenas da letra fria da lei, o que no caso em tela se mostra real, pois existe a lei, mas na pratica ela não só é ineficaz como fomenta a pratica do crime de racismo.

Esse cenário que coloca o indivíduo como senhor de si e o abandona a mercê da própria sorte não é um sistema genuinamente brasileiro, o fenômeno se mostra presente em todo cenário ocidental, o neoliberalismo exige que o estado retire sua presença quase por completa, atuando apenas como julgador das transgressões do direito e deixe que os indivíduos sejam livres para operarem seus futuros sem essa intervenção, mas se esquece das pessoas que carecem da proteção do estado, melhor dizendo, até as incluem nas leis positivadas, mas de maneira genérica como se todos fossem iguais em capacidades e oportunidades, extinguindo o conceito de equidade, de politicas sociais e de direitos fundamentais, nesse caso a dignidade da pessoa humana.

Resta ao indivíduo pleitear junto ao Judiciário que seus direitos positivados sejam minimamente cumpridos, e essa judicialização é um movimento politico social, pois ela vem do próprio movimento da correnteza social, de forma natural e como consequência o judiciário se vê abarrotado de ações distribuídas, chamado hiperjudicialização, que são indivíduos, ou grupos coletivos buscando essa proteção do estado que não é cumprida, sendo esse uma consequência natural em uma sociedade onde os direitos existem apenas no papel sem nenhum respaldo voluntario por parte do estado, e de pessoas com maior consciência de seus direitos, restando apenas o judiciário como ultima alternativa da efetivação das obrigações, uma vez que a politica que deveria cumprir o papel de legislar e fiscalizar o governo não o faz por contaminação ideológica, pois força a politica tem de sobra para operar essas cobranças junto ao governo e nas próprias edições da leis, inclusive no que se refere ao racismo e trabalho.

O racismo é mais um exemplo de leis positivadas e não cumpridas que obrigam o indivíduo a buscar no judiciário o balsamo para suas feridas, e eis que mais uma vez o ataque do neoliberalismo busca não mudar então as leis positivadas para bloquear essa ação do judiciário em fazer valer direitos não cumpridos, como é o caso do voto do Ministro Kassio Nunes Marques, indicado pelo atual presidente, que disse não as demandas apresentadas no caso em tela, contribuindo com votos que retrocedem em direitos conquistados e não cumpridos e os transformando novamente em um não existir do direito e o ápice da distorção do conceito do que vem a ser racismo, é o voto vencido de um Ministro que tem por obrigação a defesa da dignidade humana, uma vez que constitucional, votar contra esse direito, ainda mais sendo ele o único Ministro negro, e sim embora ele não admita ele faz parte do povo negro.

Antoine Garapon diz a justiça do juiz deve ser uma justiça do amanhã uma vez que não é possível prever as demandas que surgirão do meio social, a exemplo a questão da saúde onde a constituição diz que a saúde e direito de todos e dever do estado, mas na pratica o pais passa por uma pandemia com mais de 600 mil mortos, e cada dia mais, sob pretextos diversos, a politica se exime de dar solução efetiva ao caos na saúde restando ao judiciário o socorro a essas demandas e nessa questão nem diria que é consciência de direitos do individuo, mas a dor de ver seus entes morrerem 50 anos antes do tempo, enquanto o liberalismo chama esses fatos de liberdade social, mas que liberdade se pode ter vivendo em desigualdade real, essa liberdade abstrata é uma balela em face a realidade de vulnerabilidade em que vive o povo livre, onde o liberalismo prega uma liberdade e igualdade sem considerar as diferenças entre os indivíduos, a liberdade de poder ter bens que na pratica nunca terão.

Embora o povo tenha conseguido fazer justiça e exercido a magistratura do sujeito, fica evidente a dificuldade que o país encontra para estabelecer direitos básicos ao seu povo que só os conseguem através da luta.

 NOME: ANTONIO JAIR DE SOUSA JUNIOR

DIREITO MATUTINO

SEGUNDO SEMESTRE

TEXTO II - ANTOINE GARAPON

A MAGISTRATURA DO SUJEITO