domingo, 5 de dezembro de 2021

Voto contra o provimento, Boaventura de Sousa Santos e o Direito como ferramenta do capital


Sob a perspectiva do professor Boaventura de Sousa Santos, em sua obra Para uma Revolução Democrática da Justiça, o autor trabalha sobre a mudança de um Direito atuante como ferramenta do capitalismo, para o tornar um aliado na luta pela emancipação humana. Assim, como ponto de base para essa análise, pode-se recorrer a frase utilizada por ele: "...a luta democrática é, antes de mais nada, a luta pela construção de alternativas democráticas...".

Para Boaventura, o Direito não deve permanecer nessa situação de apolítico e neutro - em que o protege de escancarar a sua ação em prol do dominador, isto é, instrumento dos opressores do capital. Pelo contrário, é preciso transformá-lo como um agente da luta social. Dessa forma, o caso de ação de reintegração de posse da fazenda Primavera, na qual houve a ocupação pelo MST - Movimento dos Sem Terra -, configura como um exemplo que elucida tanto o Direito que o professor defende, quanto o que ele aponta como peça fundamental para manutenção do capitalismo. 

Assim, em 2001, durante o julgamento pela décima nona vara cível, aconteceu a votação pelo provimento ou não da propriedade ocupada pelo MST. Como relator e votante o DES. Carlos Rafael dos Santos Junior, pelo prisma de Boaventura, atuou com o que ele elencou em seu texto pelo termo Advocacia Popular, e a decisão final, como o Direito técnico e peça do sistema vigente. 

Durante o seu voto o DES. Carlos Rafael não advogou, pela própria circunstância de magistrado e relator, não obstante, argumentou pela defesa do texto constitucional, que os sem-terra permaneceriam ocupando o espaço. Pois, desenvolveu seus pontos a partir da definição do que vem a ser a função social, resgatando suas passagens por outras Constituições tidas pelo país, até atingir a de 1988 e sua interpretação. Não somente pelo viés de interpretar, mas também, com um acórdão em que - em suas palavras -, não seria uma novidade da décima nona vara, e sim de outra ocasião pretérita chegou-se a mesma conclusão: de que é imprescindível analisar os direitos fundamentais das famílias assentadas, para além dos direitos puramente patrimoniais de uma empresa.  

Ademais, isso vai de encontro com o Boaventura e suas menções acerca da Advocacia Popular, no qual há um compromisso pelas causas de base isto é, existe um vínculo de acordo além do profissional, que é a defesa de um projeto ideológico. Nesse caso, o magistrado, pela sua função de defesa da Constituição opera não por uma ideologia, contudo, pela plena execução dos direitos escritos em seu texto. Direitos esses promovidos e ratificados, sempre por meio de uma luta dos movimentos sociais, em realce durante os turbulentos anos 1970-80, aos quais advogados populares foram caçados pelo Estado. Portanto, em seu voto DES. Carlos Rafael fez do Direito um artifício atuante pela defesa dos mais vulneráveis. 

Contudo, tal qual já estabelecido, os votos, por maioria, de reintegração de posse representam um Direito despreocupado com as causas de quem está marginalizado pelo sistema capitalista. Para esses que votaram pelo provimento, mais vale a propriedade privada, ou seja, assegurar os direitos patrimoniais, do que compreender as necessidades reais de uma população brasileira que pode fazer de um grande latifúndio improdutivo, uma lugar gerador de alimentos, de subsistência para um povo. Assim, pode-se valer-se disso, dessa análise dos que votaram a favor da reintegração por um dos argumentos do DES. Luís Augusto Coelho Braga: "...Não é desrespeitando as leis e agindo de forma temerária e
revolucionária, nos moldes de guerrilha, dentro de um Estado Democrático de Direito, onde todo cidadão tem assegurado o exercício do legítimo direito de defesa da propriedade e de seu uso privado, quebrando a paz social e a tranquilidade jurídica e legal, que alcançarão
a justa reforma agrária ou urbana."

Portanto, diante da conjuntura da análise, enquanto o Direito ainda for pensado como defensor dos que oprimem, como um instrumento hegemônico de alienação, decisões como essa continuarão a acontecer, assim como acontecem. Basta procurar pelas ações de reintegração de posses de assentamento, muitas são vencidas por essa mesma lógica de preservação do patrimônio privado, negando direitos humanos e fundamentais dos assentados. Negando as possibilidades de devolutiva desses que participam do Movimento dos Sem-Terra para sociedade civil, a partir de suas produções de alimentos familiares, da retirada dessas pessoas da marginalidade, da fome, da injustiça.

Turma XXXVIII
2a semestre/NOTURNO 
Isabella Uehara 

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