domingo, 5 de dezembro de 2021

Pinheirinho — embate do Direito ecológico e o Direito tradicional


    Boaventura de Sousa Santos, importante pensador contra-hegemônico, traz, em sua teoria, a necessidade da expansão do acesso à justiça e da transformações no ensino jurídico para fomentar uma mudança qualitativa no Direito, visando torná-lo capaz de fornecer respostas efetivas às novas demandas do mundo contemporâneo. Entretanto, o autor encontra um dilema, no qual a juridificação da vida social traz consigo a morosidade processual, visto que os tribunais passam a ficar sobrecarregados com todas as demandas e mobilizações e, por isso, questiona-se a qualidade da justiça que será fornecida nesse contexto se sobrecarga. Como solução, tem-se, nas palavras de Boaventura, a formação de um “Estado como novíssimo movimento social”, no qual as instituições estão conectadas fortemente com os movimentos sociais, o que permite que a justiça seja capaz de abranger a questão social em seus vários aspectos.    


Todavia, enquanto tal mudança estatal não ocorre, apresentam-se instituições que podem, ainda que no Estado capitalista, representar a possibilidade de uma perspectiva emancipatória. Ou seja, têm-se certas organizações movidas pelo Direito plural, que não se guiam pela falsa neutralidade e afastamento das questões sociais, e que entram em conflito com o Direito tradicional, tendo por objetivo auxiliar as lutas de movimentos compostos por minorias.    


Sob essa perspectiva, tendo em vista a divergência entre o Direito tradicional e o Direito de prática ecológica, é possível notar o impacto causado no episódio de Pinheirinho, no qual ocorreu um embate entre essas duas epistemologias. Esse caso refere-se a uma imensa área — que foi reivindicada como propriedade da massa falida da empresa Selecta — ocupada pela população despejada de um terreno próximo. Nesse sentido, vale ressaltar que famílias eram formadas, majoritariamente, por negros pobres e chefiadas por mulheres, ou seja, trata-se de indivíduos fora das características vistas como hegemônicas, que são aquelas defendidas pelo Direito técnico e positivo. 


Juridicamente, esse embate é percebido nas decisões de diversos juízes referente à reintegração de posse dessa terra, visto que, como num jogo que ping-pong, cada deliberação era revista por outro magistrado que, consequentemente, emitia uma posição contrária. Por fim, pela ordenação do juiz Rodrigo Capez, as forças policiais realizaram a desocupação violando inúmeros direitos humanos.  Como consequência, instituições como a Defensoria Pública, órgãos internacionais e advogados voltados às causas populares (Sindicato dos Advogados de São Paulo e Comissão de Direitos Humanos da OAB/SP, por exemplo) — já citadas por Boaventura como organizações estratégicas de ampliação da mobilização do conhecimento jurídico e, portanto, fomentadoras de um Direito plural  — movimentaram-se para o recolhimento de provas e depoimentos que seriam a base para inquéritos e processos judiciais. 


Partindo desse caso concreto, observa-se a urgência, como proposto pelo autor, de alteração do ensino jurídico para obter, efetivamente, uma mudança epistemológica. Isso porque o sistema dominante “foi criado, não para um processo de inovação, de ruptura, mas para um processo de continuidade para fazer melhor o que sempre tinha feito” (SANTOS, 2011), ou seja, sem uma revolução acadêmica, as instituições de ensino continuaram formando meros operados do Direito tradicional, que se baseiam em falsos princípios de neutralidade e objetividade. Nesse sentido, Boaventura defende que a prática jurídica seja uma ecologia (pluralidade) de saberes — na qual o advogado seja movido pelos três vetores epistemológicos divergentes do Direito tradicional: compromisso com as causas populares, “necessidade frequente de formação política, aliada aos objetivos e aos pressupostos das lutas populares que lhe subjazem” e solidariedade com a causa —, não apenas a dogmática jurídica do direito estatal.


Em suma, é possível notar, na concretude, a necessidade de uma mudança expressiva no ensino jurídico como proposta pelo autor. Como visto no caso de Pinheirinho, o Direito ecológico é a principal ferramenta de movimentos sociais para defender-se e garantir condições justas às minorias, isso significando um conflito com o Direito tradicional, isto é, aquele guiado por preceitos hegemônicos. Sendo assim, percebe-se a necessidade de o jurista entender o fenômeno e a conjuntura  social na qual as leis são desenvolvidas e aplicadas, o que só é possível com uma nova formação acadêmica mais conectada às demandas sociais, bem como o fortalecimento de instituições, como a Defensoria Pública, que visam a ampliação da justiça.          


Larissa de Sá Hisnauer - segundo semestre - diurno    


Bibliografia:

SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma revolução democrática da justiça. 3ª. Edição. São Paulo: Cortez, 2011.




 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário