sábado, 4 de dezembro de 2021

DIREITO, O BRINQUEDO DE ENCAIXAR DA SOCIEDADE: PRECONCEITO CONTRA RELIGIÕES AFROBRASILEIRAS

Com base no artigo “O primado do direito e as exclusões Abissais: reconstruir velhos conceitos, desafiar o cânone” da Dra. Sara Araujo, importante socióloga e pensadora do direito na modernidade, analisarei a sentença proferida em 28 de abril de 2014 pelo Juiz Federal Eugênio Rosa de Araújo, o qual pode ser encontrado nos autos do Processo nº 0004747-33.2014.4.02.5101 (Rio de Janeiro/RJ).

Em resumo, o juiz em questão negou a retirada de alguns vídeos com mensagens intolerantes e preconceituosas da plataforma Youtube, fundamentando seus argumentos na seguinte ideia: “As manifestações religiosas afro-brasileiras não se constituem em religiões (...)” fl. 154 - sentença essa não passa de uma decisão racista e que perpassa ideias fundamentadas desde a colonização do Brasil

A teoria da Dra. Sara traz a ideia de que o mundo pode ser dividido em duas partes por uma “linha abissal” e que de um lado ficam aqueles conhecimentos hegemônicos e ocidentais, enquanto o outro lado ficaria com aqueles conhecimentos contra-hegemônicos e que não são “dignos” de serem conhecidos e recaem a invisibilidade. Essa concepção resume em grande parte a decisão desse juiz. 

Ele está tão centrado na lógica colonialista que ele assenta sua decisão na compreensão ocidental do mundo que é “nutrida de uma lógica evolucionista, que sobrepõe diferença, inferioridade e anacronismo''. O outro não é só selvagem, é atrasado, primitivo e arcaico.” (p. 97)

Além disso, o juiz escreve em sua decisão que as religiões afrodescendentes não tem as estruturas “típicas” para serem coroadas ao nível de religião, como a ausência de um livro sagrado (ele menciona a bíblia e o alcorão), bem como a considera esses credos desprovidos de um Deus. Essa busca por uma constante rigidez de conceitos, como se coisas diferentes da estrutura ocidental de religião não tivessem o mesmo valor, fosse inferiores. Novamente isso recai em um preceito idealizado pela autora do artigo quando ela disserta sobre uma viagem dela à Maputo, capital de Moçambique, onde ela objetivou o seguinte: “‘escutar’ o terreno mais livre de preconceitos, evitar a exclusão de estruturas relevantes apenas por não se encaixarem numa definição fechada (...)” (p. 108). Por isso, o juiz em questão foi simplesmente preconceituoso e limitado ao não tomar uma religião como religião por ela não ter aquela construção típica de alguns outros credos. 

São por juízes como esses que o direito continua como uma estrutura fixa de imposição, um elemento que subjuga culturas por não serem majoritárias, mantendo a aquela ideia do “One-Size-Fits-All” (p. 100). A realidade é que as religiões afro-brasileiras podem não ter o Deus esperado pelo magistrado, não ter o livro que ele considera essencial, mas não deixa de ser uma religião, ela merece não ser vista com essa ideia de que é igual a qualquer outra manifestação constantemente protegida pela ocidentalidade, pois ela não é. Elas são culturas assassinadas frequentemente e que precisam de “soluções específicas para cada problema” (WOJKOWSKA, 2006 apud ARAÚJO, 2016, p.100). Ela não deve ser inferiorizada, muito menos ser julgada com ideias prontas, como se ela fosse como uma instituição ocidental, pois isso é só mais um fundamentador de preconceitos e da ideia colonial de subordinação. 

A estudiosa portuguesa escreve na página 97 algo que merece ser destacado, pois mostra explicitamente que usar um direito para qualquer situação é algo péssimo para o pluralismo cultural e para a decolonização da sociedade e do pensamento: “Uma categoria [monocultura jurídica - desprezo dos direitos locais que não figuram uma sociedade capitalista, coloca essas formas jurídicas no campo da invisibilidade] que nasceu com potencial emancipatório é hoje instrumentalizada para promover a ordem colonialista, capitalista e neoliberal”

São juízes como o Dr. Eugênio Araújo que tornam a justiça brasileira tão ineficiente, injusta, e presa da mentalidade colonial, não sabendo tomar uma decisão sem invisibilizar a cultura que está “do lado de lá” da linha abissal, usando o direito como uma figura fixa que deve caber em todas as realidades, o que não passa de uma falácia. 


GABRIEL RIGONATO - TURMA 38 - NOTURNO - 2º SEMESTRE

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