domingo, 5 de dezembro de 2021

Boaventura e a acessibilidade jurídica no contexto de luta pelos direitos

         O Brasil, um país com 8.516.000 km², possui uma enorme variedade de etnias, culturas, religiões, e como não poderia ser diferente, variedades linguísticas, que são reinventadas a cada dia e envolvem aspectos históricos, geográficos, culturais e sociais. Dessa forma, mesmo que não seja a norma padrão não podemos fazer pouco caso das formas que o povo brasileiro fala. Paralelo a isso, a norma padrão e, no caso do direito, o linguajar jurídico, não possuem o mesmo nível de acessibilidade para todos, causado principalmente pelo nível de desigualdade social no país, que possui profundas raízes históricas também, mas isso causa um grande abismo entre a população leiga e o âmbito jurídico.

          Nesse sentido, Boaventura de Sousa Santos retrata em seu livro “Para uma revolução democrática da justiça” como o acesso e o entendimento da justiça estão presentes de forma desigual na sociedade e ajudariam em determinadas situações a parcela mais marginalizada e invisibilizada da sociedade, os grupos vulneráveis. Além disso, para que a justiça seja de qualidade é preciso tempo para estudar e revisar assuntos variados, não deixando o sistema moroso, para que haja uma atualização e acompanhamento do direito para com a sociedade. E essa perspectiva de ampliação e transformação do direito pode ser uma forma de lutar contra a hegemonia e as desigualdades, que estão tão enraizadas e podem ser percebidas no caso do bairro do Pinheirinho.

          Nessa perspectiva, a operação realizada por policiais em 2012 para retirar cerca de 6 mil pessoas que ocupavam um terreno de 1,3 milhão de metros quadrados em São José dos Campos-SP, conhecido como caso do Pinheirinho, na qual a área foi reivindicada pela empresa Selecta, que além de não estar claro como que o terreno, que era uma herança vacante, passou a ser propriedade da empresa, existiam outras questões jurídicas duvidosas, mas o terreno estava ocupando sua função social e abrigando milhares de famílias de baixa renda, com a regularização fundiária do local em andamento, surgindo motivos o suficiente para que a decisão da juíza tivesse sido oposta ao que de fato ocorreu. Após essa decisão, o uso da força foi aplicada para retirar essas famílias da propriedade, que não era necessário recorrer ao extremo, resultando em dezenas de pessoas feridas, desabrigadas e sem seus bens materiais, relatos de abuso sexual, desaparecimento e até morte.

           Dessa forma, se houvesse um amplo acesso e conhecimento jurídico, principalmente sobre os direitos fundamentais, talvez não houvesse ocorrido tamanha negligência e brutalidade, ainda mais diante de uma decisão tão questionável e irregular. Medidas para transformar o ambiente jurídico caberiam bem à sociedade brasileira, seja por meio de defensorias públicas, promotorias legais populares, expansão da capacitação para entender o âmbito jurídico, principalmente entre grupos vulneráveis, além da reestruturação do estudo do direito em universidades e a atualização dos profissionais já formados e praticantes do direito. Assim, o direito seria usado como uma ferramenta contra hegemônica, onde o próprio sistema é usado para defesa das classes sociais que seguem na luta e não um aprisionamento.


Lívia Maria M. Bonifácio, turma XXXVIII, matutino

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