domingo, 5 de dezembro de 2021

Análise da decisão a respeito da Medida Cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 476 Minas Gerais, sob a perspectiva do primado do direito e as exclusões abissais

         A Dra. Sara Araújo, por meio do texto “O primado do direito e as exclusões abissais”, propõe uma nova abordagem epistemológica, que por sua vez é baseada na perspectiva de Norte e Sul. Tal abordagem vai além da ideia de referencial geográfico, abrangendo os seguintes elementos: étnico-racial, gênero e sexualidade, por exemplo. Nesse sentido, segundo a autora, o Sul do pensamento corresponde a tudo aquilo que não é hegemônico, isto é, ele se expressa numa linguagem que o Norte (hegemônico) não a considera como legítima.

A exemplo disso, podemos destacar as discussões a respeito das garantias dos direitos fundamentais, tais como o direito à liberdade de expressão das comunidades LGBTQIA+, uma vez que, em diversas instâncias, devido a pensamentos conservadores, a efetivação desses direitos não são aplicados ao caso concreto. Em vista disso, na perspectiva da Dra. Sara, surge, portanto, uma espécie de linha abissal que segrega e invisibiliza um conjunto de ideias particulares, tal como as questões de gênero, pela lógica da escala global.

Sob essa perspectiva, a autora afirma que: “a modernidade eurocêntrica é um projeto tanto epistemológico quanto jurídico. Se a ciência moderna estabelece os parâmetros da sociedade civilizada, o primado do direito assegura a sua tradução em limites a que os sujeitos são submetidos e em mapas que circunscrevem o horizonte de possibilidades”. Em outras palavras, o a ciência moderna se comunica diretamente com o direito, que por sua vez reflete os interesses dos dominantes.

Assim, a crítica central da Sara Araújo se constrói mediante a critica à razão metonímica. Em resumo, tal conceito sustenta a epistemologia do norte a partir da ideia de monocultura, por exemplo, a jurídica, que nas palavras da autora: “despreza os direitos locais e os universos jurídicos que regem formas de produtividade não capitalistas e classifica como irrelevantes, locais, improdutivas, inferiores e primitivas as formulações jurídicas não modernas”.

Nesse sentido, se faz necessário, no campo jurídico, reconhecer as diferenças, por meio da compreensão dos fenômenos sociais e dos anseios dos grupos minoritários, a fim de superar os limites postos pela linha abissal. A exemplo disso, podemos destacar a decisão judicial do Ministro Gilmar Mendes a respeito da Medida Cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 476 Minas Gerais ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) ante aos artigos 2°, caput, e 3°, caput, da Lei 3.491, de 28 de agosto de 2015, do Município de Ipatinga (MG).

Em resumo, tais artigos excluíam da política municipal de ensino quaisquer referências às diversidades de gênero. Exemplificando, o art.3°, caput dispunha que:

[...], não podendo adotar, nem mesmo sob a forma de diretrizes, nenhuma estratégia ou ações educativas de promoção à diversidade de gênero, bem como não poderá implementar ou desenvolver nenhum ensino ou abordagem referente à ideologia de gênero e orientação sexual.

Segundo a PGR, tal norma contrariava, dentre outros, os seguintes preceitos fundamentais da Constituição Federal de 1988: o pluralismo de ideias e concepções pedagógicas (art. 206, I); o direito à liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber (art.206, II), bem como o direito à igualdade (art.5°, caput).

Nesse sentido, depreende-se que a Lei 3.941, de 28 de agosto de 2015, do Município de Ipatinga (MG) reflete os ideais nortistas (conservadores e hegemônicos), ao passo que a PGR, por meio dos mecanismos legais e normativos, traduz o lugar de fala das comunidades LGBTQIA+, que por sua vez buscam a efetivação e a produção de efeitos dos direitos fundamentais. Por meio dessa perspectiva, o Ministro Gilmar Mendes destaca que:

No caso em análise, as normas impugnadas, ao proibirem qualquer referência à diversidade de gênero ou a ações educativas que mencionem questões envolvendo a orientação sexual nas práticas pedagógicas e no cotidiano das escolas em Ipatinga/MG, acabam cristalizando uma cosmovisão tradicional de gênero e sexualidade que ignoram o pluralismo da sociedade moderna.

Dessa forma, conclui-se que a decisão do Ministro de deferir a medida cautelar ultrapassa o limite posto pela linha abissal. Nesse sentido, tal decisão atende a garantia da efetivação dos direitos fundamentais das comunidades LGBTQIA+.

  (Italo de Abreu Correia – 1°ano – Direito Noturno)

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