terça-feira, 14 de dezembro de 2021

A questão da raça importa para o Direito?

 O Direito é o elemento que rege e que está no cerne de toda a vida na sociedade moderna. É ele que determina como se darão as relações econômicas, sociais, governamentais, diplomáticas, familiares e comerciais. É ele que diz quais ações são vistas como éticas e quais são inaceitáveis dentro de uma sociedade. Assim, também ordena como se dão as relações de opressão e exploração. Por conta disso, é um instrumento de muito poder para quem o dominar e ditar suas normas. 

Desta maneira, o Direito ocidental permitiu a potencialização da acumulação de riqueza feita sobre a mais violenta forma de trabalho ao ratificar um ideário construído para  justificar a exploração escravista colonial. Este ideário precisou desumanizar totalmente a figura do negro, colocando-o apenas como um objeto, uma máquina sem sentimentos, família, cultura, crenças, singularidades e conhecimentos. Precisou efabular, sobre ele, uma imagem de ser ameaçador, o qual toda a sociedade deve vigiar e temer, para assegurar que não se liberte dos grilhões que o prendem à sua situação de subordinação que assegura privilégios para grupos economicamente dominantes.

Portanto, por séculos, a questão da raça esteve explicitamente tratada dentro das legislações coloniais. Aos brancos, estavam reservados cargos, privilégios e direitos. Para eles, a lei poderia exercer a sua função: garantir a justiça e a dignidade aos seres humanos. Aos negros, ao contrário, havia a total ausência de direitos e a lei tratava sobre ações que intensificavam, ainda mais, sua desumanização. Ela permitia, por exemplo, que senhores torturassem seus escravos, mas caso eles se insurgissem contra isso, seriam severamente punidos. Tudo isso para assegurar os lucros do capitalismo.

Quando este se reinventou e a mão de obra escrava deixou de ser vantajosa, a liberdade puramente formal passou a ser o novo artifício do Direito capitalista para justificar as situações subalternas em que os grupos racializados se encontram dentro da sociedade. Ao se recusar a tratar sobre a raça, o Direito, linguagem do sistema, se nega a estudar, buscar soluções e indenizar essas populações pela posição que ele as colocou, perpetuando-as. Direitos, garantias e políticas afirmativas dão sustentação e estrutura para que as pessoas  possam desenvolver-se educacional, social, profissional e economicamente. Negar que grupos como negros precisam de legislações específicas para que possam, realmente, atingir a igualdade plena que o liberalismo pressupõe aos cidadãos é assegurar que permaneçam em condições, como a pobreza, que facilitem sua exploração.



Sofia Moreira Pinatti

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