quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

A proibição da "educação de gênero" e o acesso à justiça: Direito para quem?

 

Quando Boaventura de Souza Santos se ocupa em desenvolver seus escritos acerca da democratização do acesso à justiça, é evidente que há em seu discurso uma questão prioritária a ser solucionada, ainda mais evidente em países subdesenvolvidos cerceados pela desigualdade de oportunidades e pela falta de investimentos em educação (Embora o autor seja europeu, há uma perspectiva global no que se refere ao acesso do sistema de justiça).

Em uma análise contundente de sua obra e preocupando-me em atender aos requisitos da atividade em questão, torna-se claro que a observação de qualquer julgado brasileiro atende à problemática exposta pelo autor, uma vez que são utilizados termos inconcebíveis ao linguajar cotidiano e que se restringem ao entendimento daqueles que dedicam suas vidas ao ofício da lei.

Vejamos, pois, que uma vez que a esfera jurídica atinge a vida de todos os indivíduos igualmente, integrando – em plena verdade – o caráter de mudança e da resolução de conflitos, moldando de forma direta ou indireta o convívio social a partir de determinado ponto, seria justo apenas alguns integrantes da sociedade serem capazes de entender diretamente tal discussão? A título de exemplo para o presente texto, tomemos como base a Medida Cautelar do STF que julgou inconstitucional a decisão do município de Ipatinga (MG) em banir da política municipal de ensino qualquer referência às diferentes orientações sexuais e diversidade de gênero. Durante a leitura da decisão do Ministro relator Gilmar Mendes, é facílimo esbarrar em termos incompreensíveis ao cidadão médio, que embora saiba sobre o que a ação trata por meio de veículos mediáticos, fica abandonado na sarjeta da cidadania, devido à incompreensão do conteúdo complexo tratado no documento. Isso, não há dúvidas, fornece combustível aos predadores da democracia, como o atual Presidente da República, que em 2018 utilizou da chamada “ideologia de gênero” para propagar o terror moral ao povo brasileiro que pouquíssimo conhecia sobre o assunto em questão.

            Ademais, de forma curiosa, Boaventura chama a atenção de seu leitor ao papel das Defensorias Públicas – órgãos de Estado que atuam justamente na democratização do acesso à justiça. Triste e trágico pensar, contudo, que no momento em que vivemos trava-se o embate do esvaziamento de tal elemento, reduzindo-se cada vez mais seu orçamento e buscando limitar seu papel constitucional de defesa aos mais vulneráveis. Daí, fica a dúvida: No atual sistema em que vivemos, existe justiça aos menos abastados?

            O fato é que em um momento de agravamento da crise democrática e fortalecimento de discursos segregacionistas de ódio, imaginar a justiça como um direito de todos torna-se cada vez mais difícil, nos provocando a encontrar soluções efetivas a tal impasse. O autor, com grande maestria, nos propõe a organização do direito em um âmbito “paralelo”, invocando o papel comunitário da formação de lideranças dispostas a lutarem por seus ideais, além do fortalecimento daqueles que bem conhecem a vulnerabilidade brasileira e estão dispostos a ajudar, como as assessorias jurídicas populares. Por fim, creio ser importante trazer a intersecção de Roberto Lyra Filho com o autor analisado, quando esse afirma que o direito não é, e na verdade, está sempre sendo e se construindo. Na luta pelo direito de ter direitos, vale a reflexão: Com pomposos verbos e eloquentes discursos, a quem pertence a Lei?

Pedro Basaglia, 1° ano - Noturno

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