segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

A conduta dos juristas como ferramenta de democratização da justiça

 

O professor da Universidade de Economia de Coimbra, Boaventura de Sousa Santos, discorre em sua obra “Para uma revolução democrática da justiça” - no capítulo “O acesso à justiça” - sobre a universalização do alcance dos direitos garantidos no papel. O acesso à justiça seria, portanto, uma forma de amenizar as desigualdades materiais, integrando os indivíduos colocados à margem da sociedade. Para tanto, Santos defende que deve haver uma série de reformas institucionais, na tentativa de promover a democratização e a eficácia de garantias legais.

Entre as mudanças sistemáticas propostas pelo autor está a transformação da educação. De modo geral, o ensino do Direito se dá de maneira a formar “operadores do direito” alienados, bem como presos à técnica e à burocracia excessivas, gerando dificuldade em enxergar o mundo concreto, tal qual as injustiças nele perpetuadas pela mera interpretação “da letra da lei”. Essa concepção de jurista seria, de acordo com Santos, inadequada ao contexto contemporâneo, em que a exponencialização das desigualdades engendra a mobilização do direito por parte de grupos sociais e sujeitos invisibilizados, criando a necessidade de uma nova conduta (mais flexível e realista) por parte do sistema judiciário. Nesse sentido, é imprescindível uma educação politizada dos futuros profissionais jurídicos para a materialização da equidade. 

A título de exemplificação, tem-se o voto do Ministro Roberto Barroso acerca do HC 290.341/RJ, o qual tratava da ausência de requisitos para decretação de prisão preventiva de pacientes  acusados de praticarem os crimes de aborto e de formação de quadrilha. Ao propor a solução do caso concreto, Barroso leva em conta argumentos que evidenciam injustiças impostas às mulheres pela criminalização do aborto, citando um rol de violações aos direitos fundamentais desse grupo: “A criminalização é incompatível com os seguintes direitos fundamentais: os direitos sexuais e reprodutivos da mulher, que não pode ser obrigada pelo Estado a manter uma gestação indesejada; a autonomia da mulher, que deve conservar o direito de fazer suas escolhas existenciais; a integridade física e psíquica da gestante, que é quem sofre, no seu corpo e no seu psiquismo, os efeitos da gravidez; e a igualdade da mulher, já que homens não engravidam e, portanto, a equiparação plena de gênero depende de se respeitar a vontade da mulher nessa matéria. [...] A tudo isto se acrescenta o impacto da criminalização sobre as mulheres pobres. É que o tratamento como crime, dado pela lei penal brasileira, impede que estas mulheres, que não têm acesso a médicos e clínicas privadas, recorram ao sistema público de saúde para se submeterem aos procedimentos cabíveis. Como consequência, multiplicam-se os casos de automutilação, lesões graves e óbitos.”. Assim, o Ministro interpretou o caso como Boaventura de Sousa Santos julga necessário ao considerar os impactos sociais reais da legislação, possibilitando um acesso verdadeiro à justiça. 

Caroline Migliato Cazzoli - Direito - Matutino - Turma XXXVIII

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