domingo, 7 de novembro de 2021

Controle judicial em prol de interesses particulares

 

    Analisar um contexto histórico é um dos principais fatores para a compreensão de determinado fenômeno social. Assim, a extrema demanda pelo poder judiciário para a solução de problemas em qualquer esfera, quer seja pública ou privada, mostra sua ligação para com o contexto político vivido por todo o mundo nas últimas décadas. Isso porque, o avanço de ideologias neoliberais em países árduos defensores do denominado “Livre-Mercado”, o pós-regimes ditatoriais entre outros fatos históricos favoreceram essa paternalização do judiciário sobre a sociedade como um todo.

    Visto isso, ao analisar o limiar contra o fechamento das lotéricas na comarca de Franca vê-se o que Ingeborg Maus descreve em seu texto, “Judiciário como o superego da sociedade: o papel da atividade jurisprudencial na "sociedade órfã”, como a ascensão do judiciário à mais alta instancia moral da sociedade, passando a ser o mecanismo de controle de toda a comunidade democrática hodierna. Tal fato é corroborado pela alegação de que fechar as lotéricas seria um absurdo para os donos de tais estabelecimentos e que poderia, além disso, afetar a sociedade, uma vez que não conseguiriam efetuar seus pagamentos/transferências em tempo hábil. Entretanto, do ponto de vista humanitário, faz-se impossível compactuar com tal alegação, visto que o fechamento se dará pela valorização da vida em um contexto de pandemia.

    Ademais, ainda em inspeção de tal documento jurídico, é perceptível que o poder judiciário aparece como um apaziguador dos indivíduos sofredores, como foi percebido por Antoine Garapon em sua obra, “O juiz e a democracia: o guardião das promessas”. Desse modo, o autor continua a descrever o comportamento desse instrumento como inédito, uma vez que a justiça passa a ter sua função tutelar como preferível em contraste com sua função arbitrária, pois esse novo ramo possibilita o juiz a exercer sua autoridade no âmbito dos interesses particulares dos cidadãos. Em suma, a máxima de Garapon: “O preço do individualismo é uma crescente tutelarização do sujeito”.

    Sendo assim, o limiar contra o fechamento das lotéricas em Franca aparece como uma exemplificação dos fenômenos judiciários explicados por Antonie Garapon e Ingeborg Maus, visto que o documento demonstra a sobreposição dos interesses particulares sobre o bem-estar geral da população, uma vez que o direito fundamental à vida é ignorado quando a questão do livre mercado se faz presente. Deste modo, o Poder Judiciário, idealizado por Montesquieu perde sua essência de interpretar e aplicar as leis de maneira arbitrária- A justiça é cega– e passa a ser mais um instrumento de controle social.

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