segunda-feira, 22 de novembro de 2021

"Amicus curiae" atrelado à mobilização do Direito

É indiscutível que na contemporaneidade os tribunais expressam uma grande influência no exercício do poder, fenômeno o qual diversos estudiosos da ciência jurídica e também da sociedade como um todo tentam explicar por meio das mais variadas abordagens teóricas. Michael McCann, por sua vez, defende em seu texto “Poder Judiciário e mobilização do direito: uma perspectiva dos ‘usuários’” que a ascensão do judiciário, bem como sua constante ativação, se devem a uma série de fatores concomitantes advindos de múltiplos setores da teia da sociedade - instituições, movimentos sociais, grupos de pressão, entre outros expressivos agentes - os quais carregam seus próprios ideais. O autor se destaca ainda por, diferentemente dos outros pensadores, não classificar os tribunais como a figura protagonista dos processos judiciais modernos, colocando nessa posição aqueles que acionam os aparatos jurídicos na tentativa de reivindicar seus direitos a partir da denominada “mobilização do Direito”. 

Em 29 de Maio de 2020 notou-se um claro exemplo da questão tratada por McCann, uma vez que passou por julgamento uma Medida Cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental requerida pelo Procurador Geral da República em relação à inconstitucionalidade dos  artigos 2º, caput, e 3º, caput, da Lei 3.491, de 28 de agosto de 2015, do Município de Ipatinga (MG), os quais determinam em sua íntegra: 


Art. 2º. O Poder Executivo Municipal adotará, além das diretrizes definidas no art. 214 da Constituição Federal e no art. 2º da Lei Federal 13.005, de 2014 – excetuando o que se referir à diversidade de gênero – as diretrizes específicas do PME: 

[...] 

Art. 3º. Caberá ao Poder Executivo Municipal a adoção das medidas governamentais necessárias à implementação das estratégias para o alcance das metas previstas no PME, não podendo adotar, nem mesmo sob a forma de diretrizes, nenhuma estratégia ou ações educativas de promoção à diversidade de gênero, bem como não poderá implementar ou desenvolver nenhum ensino ou abordagem referente à ideologia de gênero e orientação sexual, sendo vedada a inserção de qualquer temática da diversidade de gênero nas práticas pedagógicas e no cotidiano das escolas.


A Lei Municipal fere, de acordo com o requerente, uma série de princípios constitucionais - como o direito à igualdade - violando as garantias a uma educação plural, que inclua o respeito à diversidade. Dessa forma, os representantes da comunidade LGBTQIA+ “Grupo Dignidade – Pela Cidadania de Gays, Lésbicas e Transgêneros” e “Aliança Nacional LGBTI” exerceram sua estratégia de mobilização do Direito, sendo inclusos no processo no posto de amicus curiae para corroborar a necessidade da medida cautelar na proteção dos direitos desse grupo social marginalizado. Houve também requerimento de ingresso por parte de grupos de interesse religioso (apesar do aspecto laico do Estado), como a Associação Nacional de Juristas Evangélicos (ANAJURE), não obtendo, entretanto, sucesso por não serem admitidos como “amigos da corte”.

Nesse sentido, as decisões proferidas pelo poder judiciário em relação a esse caso julgado (tanto a não admissão da ANAJURE quanto a decisão final em favor da medida cautelar) evidenciam o poder concedido a essa instituição, tendo sua importância deslocada do centro em McCann, porém nunca apagada. É possível perceber, ainda, a intervenção direta e indireta dos tribunais no ordenamento jurídico, uma vez que as deliberações judiciais demonstram a postura dos magistrados mediante determinadas possibilidades de mobilização do Direito. 

Caroline Migliato Cazzoli - Direito Matutino - 2º Período - Turma XXXVIII


Nenhum comentário:

Postar um comentário