quinta-feira, 21 de outubro de 2021


RECURSO ESPECIAL. PRONÚNCIA. FEMINICÍDIO. HOMICÍDIO QUALIFICADO PRATICADO CONTRA GESTANTE. PROVOCAÇÃO DE ABORTO. BIS IN IDEM. NÃO OCORRÊNCIA. PRECEDENTES DO STJ. RECURSO PROVIDO. 1. Caso que o Tribunal de origem afastou da pronúncia o crime de provocação ao aborto (art. 125 do CP) ao entendimento de que a admissibilidade simultânea da majorante do feminicídio perpetrado durante a gestação da vítima (art. 121, § 7º, I, do CP) acarretaria indevido bis in idem. 2. A jurisprudência desta Corte vem sufragando o entendimento de que, enquanto o art. 125 do CP tutela o feto enquanto bem jurídico, o crime de homicídio praticado contra gestante, agravado pelo art. 61, II, h, do Código Penal protege a pessoa em maior grau de vulnerabilidade, raciocínio aplicável ao caso dos autos, em que se imputou ao acusado o art. 121, § 7º, I, do CP, tendo em vista a identidade de bens jurídicos protegidos pela agravante genérica e pela qualificadora em referência. 3. Recurso especial provido.


(STJ - REsp: 1860829 RJ 2020/0028195-4, Relator: Ministro NEFI CORDEIRO, Data de Julgamento: 15/09/2020, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 23/09/2020).


Pierre Bordieu, importante sociólogo do Direito, destaca que duas coisas são importantes para se alcançar a justiça verdadeira, a observância jurídica, bem como a moral. O ordenamento jurídico brasileiro é adepto dos ideais de Bordieu, uma vez que o Civil Law é o sistema que rege o campo jurídico no Brasil, onde a lei é exaustiva e deve tratar sobre todos os

assuntos da sociedade, podendo os civis fazer tudo o que a lei não proíbe. No entanto, o Civil law também admite outras perspectivas hermenêuticas, baseando-se na moral como ponto secundário de interpretação jurídica.

O julgado em tela trata de uma apelação criminal interposta pelo Ministério Público, onde o mesmo não se satisfez com a condenação de apenas um crime (feminicídio), requerendo o reconhecimento de outro (provocação de aborto). O conselho de sentença do Tribunal do Júri, é composto por pessoas leigas, onde 7 pessoas que geralmente não têm conhecimento jurídico são instituidas para julgar crimes dolosos contra a vida. O crime que fora objeto do julgamento, consistia em uma violência doméstica contra uma gestante, que gerou a morte da gestante, como também o aborto do nascituro. Inicialmente, o Ministério Público pediu, a condenação por esses dois crimes, porém os jurados se valeram da parte técnica do Direito, tapando os olhos para a moral e ao altruísmo. Alegaram __bis in idem_ , ou seja, que condenar o réu por dois crimes nessa situação seria injusto, pois foi feita apenas uma ação criminosa. No entanto, o Ministério Público, ao julgar uma debilidade tanto no campo jurídico (em vista que tal fundamentação é infundada), como no da moral, (onde não se foi capaz de colocar uma vida na balança), interpôs uma meritória apelação ao Superior Tribunal de Justiça, onde pediu o devido reconhecimento

do aborto, que fora negado no(s) tribunal(is) anterior(es).

O STJ, trazendo a devida racionalidade e o equilíbrio entre a razão da lei e o altruísmo da moral, reconheceu a infundamentação do afastamento do crime de provocação de aborto pelo _bis in idem_, entendendo sabiamente que a majorante do feminicídio ser contra a gestante, a pessoa tutelada é exclusivamente a gestante, por estar em um grau de vulnerabilidade, não por estar grávida, logo, ao analisar o aborto como uma violência contra o feto, não há o que se falar em __bis in idem_. Dessa forma, graças ao equilíbrio lógico e moral, preconizado por Bordieu como indispensável para a prática da justiça em decisões judiciais, foi estabelecida a devida punição ao agressor, que não é só da mulher, mas também do feto. Reconhecendo tais fatos, o STJ trouxe justiça para mãe e filho falecido, ainda que insuficiente ao meu ver.


Natã da Silva Dias

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