quinta-feira, 14 de outubro de 2021

 

                     ANÁLISE DO VOTO DO RELATOR SOB A PERSPECTIVA DOS CONCEITOS DE PIERRE BOURDIEU

  Em 2001, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul negou provimento ao agravo interno interposto, por Plínio Formighieri e Valéria Dreyer Formiguieri, contra a decisão judicial que indeferiu a liminar de reintegração de posse. Assim, os dois requerentes solicitaram ao tribunal que a decisão de primeira instância fosse derrubada para que tivessem a posse antecipada da propriedade rural, a qual estava sendo ocupada por integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra – representados por Loivo Dal Agnoll e outros.

 Dentre os votos que negaram o pedido dos requerentes, interessante destacar o do desembargador Carlos Rafael dos Santos Junior (relator). À luz dos conceitos do sociólogo Pierre Bourdieu, o referido julgador inovou em sua argumentação jurídica ao se desvincular da interpretação jurídica tradicional e demonstrar interesse em uma construção do conceito de função social da propriedade, que fosse mais profundo do que a mera adequação aos requisitos estabelecidos em lei para defini-la. Nas suas palavras: “Nessa atividade, muitas vezes, de há de buscar novos rumos, não nos satisfazendo com a interpretação jurídica tradicional". Trata-se de uma tentativa de ampliar o “espaço dos possíveis”, conceito de Bourdieu que se refere aos elementos comumente utilizados para desenvolver os argumentos no Direito, tais como doutrina e jurisprudência.

  Ademais, a fim de corroborar a sua decisão, o desembargador apresenta o pensamento do doutrinador Carlos Maximiliano, o qual aborda a necessidade de uma interpretação crítica da norma jurídica e a superação da interpretação literal da lei. Ainda em seu voto, cita também o professor Alexandre Pasqualini, que sustenta a importância da construção de novos conceitos sobre posse e propriedade de imóveis. Por fim, o relator aborda mais dois doutrinadores e um julgado para demonstrar que a satisfação da função social da propriedade não pode envolver o “uso degenerado e egoísta” da terra, posto que deve haver a comprovação de que ela é produtiva, e afirmou que os direitos daqueles que ocupam a propriedade rural podem prevalecer ao direito meramente patrimonial dos proprietários, a depender do caso.

   Nesse sentido, a análise do repertório jurídico trazido pelo julgador em seu voto demonstra um capital jurídico baseado naquilo que Bourdieu denominou de “luta simbólica” entre doutrinadores e operadores, haja vista que o desembargador utilizou tanto doutrina quanto jurisprudência em seu voto. Por fim, consoante o pensamento de Bourdieu de que todo capital do indivíduo propicia seu poder simbólico diante da sociedade, verifica-se que o poder simbólico do desembargador decorre do prestígio da sua função e da interpretação crítica – realizada raramente pelos operadores do Direito -, e não puramente literal, que ele faz da expressão função social da propriedade.

  Dessa forma, a partir do aprofundamento da função social da propriedade, o relator entende que este requisito tão essencial à terra não havia sido satisfeito pelos requerentes na propriedade rural em questão, julgando a favor dos integrantes do MST.

 

Nome: Gabrielle Maurin de Souza

Turno: noturno

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