domingo, 17 de outubro de 2021

Análise de Ação Civil Pública sob a ótica de Pierre Bourdieu

 

Pierre Bourdieu, no capítulo VIII de sua obra “A força do direito: elementos para uma sociologia do campo jurídico” define o espaço social como uma realidade multidimensional, formado por campos relativamente autônomos, ainda que sejam subordinados às relações de produção econômicas. Podemos entender esse pensamento à luz de que mesmo dentro dos espectros das classes, dominantes ou dominadas, a dinâmica concorrencial é um elemento permanente das relações sociais. Essa competição entre vontades se faz presente, permanentemente, sendo palco de disputas viscerais, ainda que não entendidas de forma explícita no dia-a-dia, trazendo a ideia de recursos pré-existentes para a diferenciação das partes envolvidas. Nesse sentido, a retórica pode ser destacada como elemento de distinção clássico para a percepção dos recursos comumente utilizados.

Para o autor, o campo econômico é o condicionante, eixo que engendra as disputas de tantos outros espectros, sejam eles científicos, artísticos, políticos ou jurídicos, por exemplo, formando o espaço social básico. Ainda nesse contexto, surge a definição de habitus, que seria uma matriz cultural responsável por predispor os indivíduos a certas escolhas e comportamentos, sendo matizado pela condição de classe e pelos diversos campos pelos quais se movimentam esses indivíduos ao decorrer de suas existências. Um exemplo claro seria a classificação da empregada doméstica como uma categoria de classe servidora “inferior”, ideia essa impregnada na mentalidade da sociedade contemporânea de modo incisivo. Não é só a classe, mas também os outros referenciais do campo que sedimentam nos indivíduos outras disposições, assim, essa concepção de habitus perpassa todos os indivíduos e se faz presente na motivação para ação.

Esse conceito pode ser bem representado pela decisão da juíza Dra. Adriana Gatto Martins Bonemer ao inocentar Matheus Gabriel Braia, acusado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo por danos morais decorrentes de atitudes misóginas e de apologia ao estupro em trote universitário da Universidade de Franca. A magistrada utiliza-se de um discurso fundamento em conceitos do senso comum, com um viés conservador, lançando mão de obras de autores sem relevância pertinente que justificassem sua posição. Além disso, deixa evidente sua opinião pessoal, baseada em experiências próprias de sua vivência e seu círculo social, desconsiderando a diversidade de realidades dos envolvidos e a natureza imparcial de suas colocações no julgado. Nesse sentido, prevalece o habitus da juíza em detrimento da violência sofrida pelas calouras, o que nos faz refletir sobre qual seria a sustentação de Dra. Adriana caso o réu apresentasse origem social diversa.

Ademais, para além do conceito de habitus, podemos perceber no parecer da ação a presença de outro conceito de Pierre Bourdieu: poder simbólico. Ele se dá basicamente pela imposição da definição do mundo social mais adequado aos interesses individuais e particulares. Nesse sentido, a magistrada, ao questionar o feminismo ou reduzir a revolução sexual a uma busca pela promiscuidade, coloca sob a figura do homem um capital simbólico inato típico de uma sociedade patriarcal machista, utilizando essa concepção para transformá-lo (o réu e o homem comum) em um símbolo de poder que não se atribui às mulheres. Dessa forma, ofuscado pelos conceitos de habitus e poder simbólico, o posicionamento da Dra. Adriana evidencia a perpetuação de desigualdades de gênero e destaca a opressão realizada pelo próprio sistema de justiça que, a priori, deveria ser imparcial e em defesa dos oprimidos.

(Laredo Silva e Oliveira – 1º Ano – Direito Noturno)

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