quarta-feira, 8 de setembro de 2021

Mito Fundador da "Terra Maravilhosa": de Tipo Ideal à Utopia

    O Brasil, desde de a sua criação, foi algo difícil de se compreender. Todavia, uma análise compreensiva e culturalista somente é possível quando se olha para o passado. Banhado por uma história turbulenta, caracterizada por invasões, genocídios, estupros, guerras, escravidão, apropriações e relações de dominação, o Brasil contemporâneo se originou sob esse contexto, o qual é muito distante da concepção do mito fundador brasileiro de "Terra Maravilhosa".

    Somado à esse contexto turbulento, há também a extensão territorial de proporções continentais, o que corroborou para formação de modos de viver distintos e diferentes maneiras de se manifestar a cultura, dificultando ainda mais o entendimento do Brasil e do brasileiro. 

    Todavia, esse tipo ideal parece estar cada dia mais distante de se tornar realidade e, com isso, deixa de ser algo possível de se concretizar, chegando ao ponto de ser uma mera utopia. Terras em chamas, constantes discursos de ódio, ataques à civilidade e à democracia, e forte defesa e culto ao atual líder político, tudo a partir de um suposto discurso religioso e patriótico, moldam o atual paradigma da sociedade brasileira. 

    A se tomar por exemplo o dia de 7 de setembro de 2021, data em que diversas avenidas das principais cidades do Brasil eram preenchidas por manifestações que tinham  por objetivo apoio a um governo que diz prezar pelos valores cristãos, mas que governa de forma genocida; que diz prezar por seus cidadãos, desde que esses participem de um grupo dominante minoritário, ao passo que os demais lutam cada dia com maior força para sobreviverem à crescente taxa de desemprego; em apoio a um governo que é ferrenhamente contrário a qualquer forma de aborto - por prezarem pela vida -, mas declaram forte apoio à torturadores da Ditatura de 64; a um governo que entrou no poder exaltando o poder do povo e da democracia, mas que, durante as manifestações, pede pelo retorno dos militares no poder e, com isso, da Ditadura Civil Militar; a um governo que diz ser a favor da pátria brasileira, mas que desde que entrou no poder fez de tudo para destruir as maiores grandezas de nosso país - grande aumento das queimadas e do desmatamento, sucateamento das instituições de ensino público, sucateamento do sistema de saúde brasileiro, o qual já foi reconhecido com mérito por todo o mundo. 

    Nesse dia, o 7 de setembro perdeu seu valor; perdeu seu sentido. Algo que antes representava a liberdade e a independência, passou a ser um ato contra a democracia, contra a liberdade de fato. Em suma, tornou-se o contrário daquilo que uma vez representou. 

    Nesse sentido, é difícil compreender os valores por trás de cada uma das ações tomadas pelos brasileiros - a se saber que, segundo Weber, toda ação social é movida por valores os quais são cultivados por determinado grupo. Isto é, é inconcebível dizer que as ações feitas por esse grupo representam os valores da cristandade, do liberalismo ou até mesmo da extrema direita, pois tudo o que é feito por esses é contrário daquilo que é defendido por essas vertentes políticas, econômicas e religiosas. 

    Portanto, pode-se dizer que o Brasil chegou a um ponto em que a compreensão dos valores que movem os cidadãos se tornou algo basicamente incompreensível. A compreensão se dá no entender que a realidade brasileira no contexto atual é conturbada, bagunçada e que não cultiva um grupo de valores harmônicos entre si, mas sim um grupo que constantemente se contradiz e são contrários uns aos outros. 

Vítor Salvador Garcia Lopes - Matutino  


Nenhum comentário:

Postar um comentário