quarta-feira, 8 de setembro de 2021

 

Iconografia brasileira e a inviabilidade da perspectiva culturalista

É muito comum no Brasil, diante de momentos de crise política ou econômica, culpabilizar um aspecto cultural supostamente inerente ao brasileiro, sempre associado à malandragem e à passionalidade irremediáveis. Mais do que isso, qualquer pequena infração presenciada no dia a dia já remete a ideias já bem arraigadas no imaginário nacional, como o famigerado “jeitinho brasileiro”. Entretanto, para não incidir (de acordo com a visão de Jessé e com raízes em elementos de Weber) na análise culturalista, é necessário perceber a influência dos agentes sociais como o mercado e o Estado na perpetuação de concepções caricatas sobre o brasileiro.

A princípio, faz-se interessante pontuar sobre o conceito de jeitinho brasileiro, que nasceu atrelado à concepção de Sérgio Buarque de Holanda (Raízes do Brasil, 1936) e ao seu “homem cordial”. Cordialidade, aqui, não se trata de ser bondoso e amável, mas sim de explorar as diversas relações sociais se pautando em pulsações e paixões, em detrimento da racionalidade, o que poderia inclusive levar à violência na prática. Apesar de ter um lado proveniente da Academia, a expressão do jeitinho brasileiro foi popularizada até o ponto de ser algo que dispensa maiores explicações. Sua presença se faz desde no meio político, em escândalos de corrupção, até situações de “furar” a fila ou “colar” em uma prova. Trata-se quase de uma justificativa para ações com tendência amoral e frequentemente acaba sendo aceita, pois, afinal, o jeitinho seria inevitável na cultura nacional, certo?

O sociólogo contemporâneo Jessé de Souza tenta mostrar o contrário, ao pontuar que conceber aspectos estáticos na cultura consiste em retirar dela a sua dinamicidade geradora de transformações na forma de pensar e agir ao longo do tempo. Portanto, tal visão de que a cultura é fechada em si mesma e de que não está submetida às influências mercadológicas e estatais se encontra ultrapassada no campo das ciências humanas, tal como o determinismo, que preconizava os caracteres de um povo como sendo definidos por fatores de geografia física e, que, portanto, também culminava em uma concepção estática do desenvolvimento. Assim, na realidade, se a lógica de pensamento do jeitinho brasileiro, por exemplo, acabou se mantendo, não seria devido a uma herança patrimonialista imutável recebida na colonização (análise culturalista) e muito menos devido ao que alguns acreditam ainda hoje, fatores geográficos e climáticos (análise determinista). Em vez disso, a sua aparente preservação seria por influências propagandísticas de agentes do mercado e do Estado a fim de manter esse ideário, por ser vantajoso para interesses pessoais ou coletivos de autopromoção.

No campo do mercado (imagem 1), principalmente no setor turístico, a fim de manter uma imagem caricata e atraente do Brasil, é sustentada essa imagem do país tropical no qual tudo é possível e sem consequências em termos de comportamento, apelando para o aspecto sexual, muitas vezes. É interessante perceber a sua distância da realidade, já que é um recorte muito idílico do que de fato é o Brasil, como mostra o seguinte trecho:

"Como você acha que vivemos no Brasil?

Pendurado com os macacos nas praias do Rio?

Como você acha que vamos para nossas escolas?

Escalando em nossos leões nas avenidas de terra?" (Brazil – O Terno)

Já no caso do Estado, talvez o exemplo propagandístico mais famoso seja o da utilização do futebol e da vitória na Copa de 1970 como instrumento político na época da ditadura militar para favorecer a alienação diante dos avanços da desigualdade no país (imagem 2). Dessa forma, o Estado não enfrentava com seriedade as mazelas que atingiam a população e perpetuavam no estrangeiro a máscara de um povo sempre contente, que acaba encontrando um “jeitinho” para qualquer situação, afinal, conseguimos a vitória na copa e “não há motivos para a população se afligir”. Exceto que havia: os níveis preocupantes de pobreza e fome que assolavam o Brasil. Finalmente, como na análise weberiana é importante focar no comportamento dos indivíduos mesmo quando se trata de entes coletivos, finaliza-se com uma observação de que o Estado, aqui, ao mesmo tempo em que divulgava uma imagem atrelada ao jeitinho, o praticava em sua forma de (des)governar o país, visto que vários indivíduos e grupos que participavam das estruturas de poder simplesmente se vendavam voluntariamente a esses problemas escandalosos daquele momento histórico.

Imagem 1: iconografia brasileira na publicidade

Imagem 2: charge de Ziraldo sobre a instrumentalização do futebol na ditadura







Isabela Mansi Damiski - 1 semestre


Nenhum comentário:

Postar um comentário