sábado, 21 de agosto de 2021

Uma interpretação materialista de uma realidade etérea.


O dia do Seu João

    Seu João, um homem de 49 anos, nascido em São Paulo que sempre morou no Capão Redondo, um bairro periférico localizado na zona sul da capital paulista. Um brasileiro nato,  filho da Dona Romilda, a qual descreve como uma baiana batalhadora. Abandonada pelo marido, pai de João, Romilda criou ele e seus cinco irmãos sozinha, com dois empregos e sem qualquer apoio. Era o maior e único exemplo de João, uma lutadora que deixou o mundo após morrer de coronavírus em casa, aguardando por um leito de hospital.


    Atualmente, João está casado e com quatro filhos, ainda sentindo a perda da mãe, aquela que sempre esteve ao seu lado, esforça-se ao máximo para prover a sua família, aquilo que seu desconhecido pai se negou a fazer. Não possui um trabalho fixo, vive de bicos para ao menos conseguir sobreviver e sustentar sua família. O pouco que ganhava por mês, o que mal dava para pagar as contas, com a pandemia, diminuiu ainda mais. Porém, Seu João não desiste, acorda todos os dias pontualmente às cinco da manhã para trabalhar. Pega um ônibus, depois faz baldeação com o metrô em um trajeto que dura mais ou menos duas horas até o centro da cidade. Lá, no centro, Seu João, apenas com um pão com margarina na barriga, inicia seu longo dia de trabalho como homem-placa. Placa que carrega com os seguintes dizeres: compro ouro, vendo ouro e pago bem.


    Enquanto o dia passa, Seu João segue trabalhando embaixo do sol. No termômetro que visualiza na praça, já marca mais de trinta graus. A sensação é de cansaço, mental e físico, porém, desistir não é opção, ao invés disso, mantém-se firme e sonha que algum dia possa ter seu próprio negócio. Isso mesmo! Seu João sonha em ser empreendedor. Quer abrir um açougue no seu bairro, aqueles com balcão, vitrine de carnes, bem tradicional. Quando tinha um trabalho fixo, seu último emprego de carteira assinada, cerca de oito anos atrás, trabalhava no estoque de uma loja de materiais para construção. Chegou a guardar um dinheiro durante esse período na esperança de conseguir abrir seu próprio negócio, porém, depois que foi demitido, usou tudo que tinha guardado para pagar as dívidas que contraiu com um empréstimo no banco, as quais ainda não conseguiu terminar devido aos altos juros que correm todo mês.


    As 18 horas, chega ao fim mais um dia de trabalho de Seu João, que cansado e morto de fome, precisa atravessar a cidade novamente até sua casa, e aliás, está com o aluguel atrasado. Recebe os 20 reais diários, conquistados após um dia inteiro no sol e parte rumo ao Capão Redondo. Metrô e ônibus lotados, e, mesmo com corpo está exausto, precisa fazer uma parada antes de ir pra casa. Assim, passa no mercado com a única nota que recebeu, mas percebe que algo está errado, resmunga baixinho sobre o aumento de preços. A carne, os ovos, até o arroz e feijão João não consegue mais comprar. Então para na padaria, pega apenas alguns pães e volta pra casa desolado.


    Entrega os pães para a esposa lamentando com os olhos, diz que é isso que conseguiu para o jantar e pede para ela providenciar. Pão com margarina será o jantar de seis pessoas, seis brasileiros que, enquanto comem, ouvem no noticiário sobre o aumento dos combustíveis, aumento no preço dos alimentos, aumento na conta de energia, além, é claro, observa os comentários sobre as novidades no mundo político brasileiro. Novidades estas, que Seu João não entende, mas questiona-se mentalmente como ser possível roubarem tanto. Os mesmos políticos que na eleição de 2018, ele confiou e depositou seu voto por serem contra a corrupção, sob o slogan de que iriam mudar tudo isso que tá ai. Seu João acreditou, mas nada mudou, aliás, mudou sim, agora não consegue nem comprar uma carne de segunda pra alimentar sua família. Diz que agora carne agora é luxo e pergunta-se o que pode piorar.


Seu João não tem conhecimento de classe, não sabe o que é um proletário ou um burguês, desconhece o que seja comunismo, mas tem aversão só de ouvir a palavra. Também nunca ouviu falar de Marx, já que na escola onde estudou, parou no ensino fundamental para poder ajudar sua mãe com as contas da casa. Cursar uma faculdade é algo tão distante da sua realidade, que nunca cogitou a ideia para si ou para seus filhos. Fala que é o trabalho que dignifica o homem, mas desconhece como o sistema neoliberal, que cada vez se expande mais, fez os trabalhos desaparecerem. Mal sabe o que é ou o que significa a palavra capitalismo e as relações de trabalho ligadas a ele, porém acredita que exista oportunidade para todos, apenas aguarda a sua. Seu João só quer uma vida melhor, para ele e sua família e por isso, mesmo mal nutrido e exausto, deita na cama planejando o dia seguinte. Antes de pegar no sono, profere que o próximo dia será melhor que hoje, que amanhã será um novo dia e que as coisas irão melhorar.



Claudio Pacheco Marinheiro - Turma XXXVIII - Direito (Noturno)

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