sábado, 7 de agosto de 2021

Dia doze de Novembro - A Engrenagem Social

 Poucas vezes em minha vida tive a sensação exata de que um certo dia valeu a pena ser vivido... Aquele 12 de novembro era um deles. 

O senhor Silva é alguém que encontro nos bares perto de minha casa há alguns anos. Homem de meia idade, cabelos brancos e família bem estruturada. Estudou nas melhores universidades e fez fortuna Brasil a fora... Diz que só voltou para o interior porque sentia falta da tranquilidade da cidadezinha natal. Apesar de ser um empresário bem sucedido, nunca havia o ouvido se gabar de seus magníficos feitos ou de suas enormes empresas. Ele sempre me pareceu alguém muito humilde e com um coração gigante... Nessa noite, porém, senti que estava um pouco mais apático que o usual. 


- O senhor está bem, Silva?
- Ah, meu filho... quem me dera... Quanto mais velho fico, mais pareço questionar a validade das decisões que fiz até aqui.
- Pô, seu Silva... Como é que pode? O senhor é bem sucedido... fez uma grana aí e tem uma família de dar inveja!
- Vocês que são jovens pensam que isso é tudo? Nunca quis ser empresário, filho... Quando tinha sua idade queria ser artista de rua. Desses que fazem apresentação lá na Paulista, sabe? Desisti do sonho porque ouvi baboseira de todos os lados... Uns diziam que era coisa de vagabundo, que eu não queria trabalhar e que meus pais iam ter que sustentar filho "viado"... Fico mais triste ainda quando vejo que hoje em dia esse discurso tomou conta do país, e tem gente de sobra pra chamar louco de "mito"...
- Ah, mas mesmo assim, né?! O senhor chegou onde muita pouca gente consegue... Pode não ter atingido seu sonho, mas contribuiu bastante para a vida de muitos brasileiros... Quanto é que o senhor já empregou nesse nosso Brasilzão?
- Que é que importa? Fiz dinheiro fazendo pai de família trabalhar dez horas por dia repetindo o mesmo movimento... Ainda por cima, era obrigado a dizer que as coisas eram assim mesmo, que a vida era desse jeito... Tudo funcionando como um corpo humano, em ordem e organicamente, cada um com sua especialidade! Desde quando apertar parafuso e pintar caixa faz alguém ser especial? Um bando de mentira corporativa... Sabe, quando eu fundei a empresa não era isso que eu tinha em mente... Queria inovar e fazer diferente, ser bom com a maioria, de verdade!  Mas você bem conhece esse mundo... Ou a gente se entrega, ou é engolido pela concorrência. Hoje sou esse velho bem vestido aqui, mas já fui idealista! Queria um mundo mais justo, menos desigual... acho que o tempo é que apagou meu brilho.
O que eu quero que você entenda, querido... É que quando alguém disser para você que toda essa desgraça é parte do mundo, e que basta aceitar, você deixa entrar por um ouvido e sair pelo outro, entendeu? O mundo tá cheio de gente ruim achando que sabe demais... Eu perdi muito tempo acreditando na mentira que me ensinaram, que o que importa é ter o verde dentro da carteira e consegui-lo de forma honesta. Aliás, não sei que honestidade é essa que tanto dizem... O que é que difere o grande corporativista que eu sou do ladrão de sabonete? Um deles rouba o tempo da vida de seus irmãos, o outro, um pedaço de gordura... Enfim, eu nunca fui pro xadrez, mas o irmão que queria tomar banho foi... pegou pena máxima ainda. Aposta quanto? Esse é o mundo que você vive, jovem... E ainda tem quem diga que tá tudo funcionando exatamente como deveria...

Sendo sincero, não me lembro bem como é que a conversa terminou. Afinal, era sexta de noite e eu tinha acabado de sair da faculdade... Eu merecia uns shots...
O fato é que talvez o senhor Silva esteja certo... Infelizmente, depois daquele dia nunca mais o vi. Talvez, tenha decidido ignorar o mundo e viver o sonho de ser artista... Só o tempo dirá.
A verdade é que no dia doze de novembro eu aprendi duas coisas. Uma delas é que eu nunca quero perder meu idealismo, porque se existe uma coisa que não me apetece é estar sozinho em um bar questionando minhas escolhas no auge de meus 50 e tantos. A outra, é que mais de três shots já me mandam direto para a cama... vivendo e aprendendo.

Pedro Basaglia - 1° semestre Noturno

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