domingo, 22 de agosto de 2021

Criolo e as histórias do capitalismo etéreo

Lucas Pedro é um rapaz trabalhador, tenta dar orgulho para sua mãe que o criou sozinha. Ele corta a cidade de moto - tão rápido quanto seu pai abandonando a família - entregando comida para um pessoal que está sempre com pressa igual a ele. O símbolo vermelho da empresa para qual trabalha é da cor do sangue derramado em cada acidente do corre, mas não tem seguro de vida, plano médico ou dia de folga para cicatrizar os machucados, a ferida está sempre aberta. As amarras entre empregador e empregado são tão invisíveis quanto Lucas, iludindo o menino o qual se vê como empreendedor independente.

Toda vez que o jovem vai ao mercado é um susto diferente, os preços estão sempre mais altos e a grana que sobra fica mais insignificante a cada compra. Lucas Pedro então “decide” (não é bem uma decisão se ele não tem outra escolha) trabalhar mais para conseguir arcar com as despesas, porém o combustível da moto também só fica mais caro. Às vezes parece que não vai dar pé, que as contas do mês não vão fechar e quando o rapaz pensa nisso é como se lhe faltasse ar. De uns tempos pra cá tem sido difícil até para levantar da cama.


“Ao trabalhador que corre atrás do pão

É humilhação demais que não cabe nesse refrão”


Lucas tenta não deixar que sua tristeza o abale, os “coaches” do Youtube dizem que ele deveria ter uma atitude positiva para ser mais produtivo no trabalho. Ele se lembra também de uma das poucas coisas que seu pai lhe disse antes de sumir: “chorar é coisa de viado”. Por isso ele não chorou de dor quando quebrou a perna ao cair de moto pela primeira vez, nem quando a mulher a qual ele amava terminou com ele, e muito menos quando se deparou com o desespero de tentar sustentar a família. 

No aniversário da irmã mais nova, Lucas Pedro comprou um tablet (parcelado em dez vezes na Amazon) de presente para a menina. Para colocar um sorriso no próprio rosto, comprou um tênis da Nike, o qual ele viu algum famoso vestir no Instagram. Se afogar no consumo parecia a saída para sua dor, afinal, sua alma já pertencia ao banco de qualquer forma. 


“Depressão é a peste entre os meus

Plano perfeito pra vender mais carros teus”


Entretanto, o aperto no peito do trabalhador nunca cessou, fato que, inclusive, o distraía bastante no trânsito, rendendo frequentemente pequenos acidentes aqui e ali. Nessas ocasiões, Lucas levantava a moto do chão, ajustava a bolsa nas costas e voltava a rasgar as avenidas, na esperança de que as pizzas estivessem intactas. Certa vez, todavia, o acidente não foi tão pequeno assim - o vermelho do sangue foi mais intenso, as lágrimas finalmente caíram, a falta de ar parecia eterna (e realmente foi). O SAMU chegou a tempo de fazer o resgate, mas a UTI da Santa Casa estava repleta de pessoas entubadas. A notícia apareceu no Facebook, os amigos da família comentaram: “que Deus o tenha…” e, em menos de uma semana, Lucas Pedro voltou a ser invisível. 


“E todo noite alguém morre, preto ou pobre por aqui”


Caroline Migliato Cazzoli - Direito - Matutino - Turma XXXVIII

 

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