domingo, 22 de agosto de 2021

 Análise materialista sobre as relações de produção e de consumo no cenário do capitalismo financeiro e da cultura imagética

Na perspectiva de Marx e Engels, a própria estruturação do capitalismo é pensada para atingir a dimensão global. De fato, desde o início no século XVI, o capitalismo se concretizou sob a lógica do mercantilismo, e, a partir daí, já haviam sido lançadas as bases para o sistema de Divisão Internacional do Trabalho, que apenas se tornaria mais complexa com o passar das décadas e com a diversificação de setores produtivos. À época, o sistema funcionava com metrópoles fornecendo manufaturas para as colônias, que, por sua vez, forneciam de volta metais preciosos e especiarias. Atualmente, as potências desenvolvidas fornecem tecnologia, industrializados, investimentos, empréstimos, os países subdesenvolvidos industrializados fornecem produtos primários (commodities) e produtos industrializados e os países não industrializados fornecem apenas as matérias primas. É notável que houve uma grande transformação até o século XXI, mas o cerne dessas relações continua sendo o mesmo: a exploração. Ao definir um determinado papel para um país, muitas vezes relacionado à influência política dele no sistema interestatal, é reforçada a dominação pelas potências, visto que os setores relacionados à tecnologia contêm muito mais valor agregado do que as commodities, por exemplo. A realidade perversa inerente a essa lógica é que para um país permanecer próspero e dominante, outros têm que se manter na miséria. No capitalismo financeiro, especificamente, o artifício da acumulação flexível e da localização estratégica das empresas reforça essa divisão, se aproveitando principalmente de aspectos fiscais e logísticos favoráveis. No caso de uma Big Tech, por exemplo, a sua matriz head de operações é localizada em uma potência econômica, mas os trabalhos mecânicos ou de extração envolvidos são realizados em países de legislação trabalhista pouco significativa, que abre margem para a exploração desumana da mão de obra, muito comum, por exemplo, nos Novos Tigres Asiáticos. O estudioso do tema Richard Sennet avaliou essa tendência denominando a empresa flexível de “arquipélago de atividades relacionadas”, que reflete de forma muito didática essa realidade. Outro exemplo dessa discrepância entre as nações está no fenômeno da fuga de cérebros, pela qual as mentes mais brilhantes deixam seu país de origem rumo a uma potência econômica com melhores oportunidades de educação e de remuneração, repetindo a lógica, pois, no futuro, serão esses indivíduos que darão continuidade ao que há de mais tecnológico (e valoroso) no Vale do Silício, concentrando as riquezas nos mesmos países. Em linhas gerais, esses seriam exemplos da atualidade da exploração capitalista na escala macro (entre países), na visão de Marx e Engels, contudo, isso se reproduz até alcançar a escala de relações individuais, como também foi tratado pelos autores.  

Com efeito, a lógica de dominação capitalista burguesa foi um dos principais objetos de estudo de Marx e Engels, que chegaram ao conceito de mais-valia, ponto essencial que sustenta a opressão do Capitalismo na escala micro (entre pessoas) e que significa a disparidade entre o salário pago ao trabalhador e o valor produzido pelo seu trabalho. Na forma de mais-valia absoluta, o meio utilizado para alcançar isso é o aumento da jornada de trabalho. Na mais-valia relativa (crescente na atualidade) é aplicada tecnologia na produção, visando ao aumento de produtividade. Em ambas as formas, é válido destacar que essa diferença é apropriada pelo capitalista, e que, devido a essa exploração, a contratação do trabalhador só é aparentemente livre, de acordo com a concepção marxista. Feita essa breve análise, é visível o antagonismo de interesses entre trabalhador e capitalista, refletido na desigualdade de classes, como uma amostra de quão inorgânica é essa relação produtiva. Isso permanece hoje, sob novas formas, como analisa Richard Sennet ao tratar da flexibilidade também na esfera individual, isto é, observa-se a predominância de contratos mais flexíveis, carreiras mais instáveis e o risco como uma condição comum do trabalhador do século XXI.Ademais, um enfoque muito interessante para notar a continuidade da exploração no cenário contemporâneo é observar as relações de consumo. O establishment é reforçado pelo componente imagético, sendo que a diferenciação entre as classes é fortemente destacada pelo boom da propaganda. Não basta ter um carro ou um celular que estão funcionando plenamente, é necessário que sejam de última geração, caso contrário, não possuem valor. E quem dita isso? A propaganda, que atua a nível psicológico ao ponto de não mais serem suficientes ao trabalhador as condições materiais (entendidas aqui como na visão de Marx, meios estritamente necessários à vida), é necessário também adquirir esses símbolos supérfluos carregados de status, caso contrário, o valor do indivíduo trabalhador em meio às relações sociais será nulo. Tem-se, então, o fenômeno marxista da reificação: o indivíduo tem seu valor medido a partir daquilo que pode ou não adquirir. Essa lógica sempre se reproduz aplicada a produtos novos, por exemplo, as especiarias que motivavam expedições longas e árduas até a Índia, hoje, são facilmente encontradas em qualquer supermercado, logo, desprovidas do valor que outrora tiveram. Além disso, o uso da obsolescência programada (encurtamento proposital da vida útil dos produtos) é uma ferramenta aplicada por grande parte das empresas de hoje e que ajuda a manter esse “abismo” entre classes, sempre pautado no aspecto das “coisas”, e, por fim, constituindo mais um exemplo de como a visão materialista da história permaneceu contemporânea.

Como complemento, duas charges (fonte: pictoline) que amostram 1. novas formas de exploração no ambiente de trabalho e 2. obsolescência programada

 

Isabela Mansi Damiski - turma XVIII - primeiro semestre

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