sábado, 21 de agosto de 2021

A imaterialidade contemporânea sob uma perspectiva materialista

A ideia de que o Estado é o centro de toda movimentação da vida social e política cotidiana foi amplamente combatida por Marx, que defendia esse protagonismo às classes sociais em sua vivência diária na sociedade civil. É desse pensamento que surge o que o Estado viria a representar: a classe que se sobrepõe e domina as demais. Enquanto para Hegel o Estado é a expressão universal do interesse coletivo, força exterior que racionaliza os interesses e molda uma moral e vontade universal, sobreposta aos interesses privados, para Marx esse pensamento é equivocado. De seu ponto de vista, é ilusória a ideia do Estado como uma representação universal do interesse coletivo, ela representa uma única classe social (dominante) e não a totalidade da sociedade civil. No embate da vida real, a classe que domina, proprietária dos meios de produção e escravizadora da mão de obra proletária, vai permanentemente representar a manutenção de seus interesses, se utilizando da ideologia justamente para vender a ideia de que os interesses individuais da referida classe são a representação de toda a sociedade.

Enquanto para Hegel o Estado é o centro da dinâmica histórica, para Marx esse dinâmica se dá através da sociedade civil. Conforme seu pensamento, o proletariado, para se colocar como expressão do poder geral, também deveria ambicionar a conquista do Estado. O direito engendrado por Hegel só pode ser interpretado como o reino da liberdade para a burguesia, um falseamento do real, que submete aqueles que trabalham às vontades daqueles que comandam a sociedade. A ideia de liberdade, no liberalismo hegeliano, pressupõe conflito, enquanto no socialismo marxista ela é voltada para o comum, o todo. O conflito dialético gerado entre tais posicionamentos ainda se faz presente na contemporaneidade, e as contradições existem tanto em Estados burgueses (capitalistas) quanto em Estados proletários (socialistas).

A visão materialista de história, desenvolvida por Marx e Engels, enxerga no Estado burguês o conceito de alienação, ou seja, o poder social, a força produtiva multiplicada que nasce da cooperação dos indivíduos condicionada pela força do trabalho, mas que não aparece para esses mesmo indivíduos como uma força conjugada, pois não é voluntária, mas sim naturalizada, seja através de ideias como a meritocracia, a produtividade, o trabalho que não gera identificação, etc. Ela só pode ser superada por condições materiais práticas, como por exemplo através da educação além da formalidade, no sentido amplo, que envolve a apreensão política e social do mundo, dando consciência aos indivíduos do estranhamento daquilo que se considera normal mas na verdade é imposição da sociedade burguesa.

Ainda, segundo eles, o capitalismo só existe em uma acepção global, bem como as transformações que dele decorrem, devendo ocorrer de forma globalizada. Nas últimas décadas, a realidade capitalista retirou as fronteiras de tempo de trabalho tão conhecidas em seus primórdios, pós Revolução Industrial, uma vez que não há mais uma separação clara e evidente entre pessoal e profissional. Nesse cenário o trabalho pode se dar a todo momento, em qualquer realidade, ao exemplo do agente que trabalha através de aplicativos, como Uber, iFood ou outros. Além disso, capitalismo industrial flexibilizou também as possibilidades de espaço produtivo, levando as empresas a se desagregarem de espaços físicos específicos, o que antes eram conglomerados empresarias (como o famoso ABC Paulista) tem sido dissolvido e espalhado pelo globo, sempre buscando os melhores recursos e tecnologias necessárias para receber as empresas específicas.

A realidade contemporânea se dá, dessa forma, de maneira imaterial, gerando produtos, trabalhos e capital que não são necessariamente palpáveis. O que antes era tangível e alcançável, que seria outrora o objetivo final da sociedade capitalista, se torna algo virtual, seja por meio de transações econômicas (e o advento de mecanismos como o Pix), relações pessoas (e o fortalecimento das redes sociais), meios de comunicação (retirando a função do rádio e televisão para a supremacia da internet), entre outros. Esse novo modo de vida, tão vinculado à acumulação flexível, gera, tantas vezes, uma naturalização da flexibilidade que acaba levando a uma aceitação de pontos que em outros momentos deveria ser analisado de forma cuidadosa. Exemplo mais prático encontramos na figura da demissão, que passa a ser vista como um corte de custos necessário para o enxugamento das despesas da empresa, deixando de lado o valor da força de trabalho e o que aquele ato significa para a vida do sujeito demitido e sua consciência coletiva.

Por fim, essa nova verdade acaba por se tornar ainda mais opressora e restritiva das liberdades da classe trabalhadora, ao torna-la dependente das imaterialidades para exercer seu trabalho ou tão somente para se sentir para de uma sociedade líquida, como diria Baumman. Os riscos dessa nova forma de vida propagam a ideia de conformismo, alienação e dominação suscitadas em reflexões de bases marxistas, muitas vezes ignoradas pela população em geral.

Laredo Oliveira - 1º Ano Direito Noturno 

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