segunda-feira, 5 de julho de 2021

"Saber é poder" e poder se tornou destruição

 

A imagem que o homem tem de si mesmo diante da natureza mudou muito através dos anos: o ser humano já se viu como parte dela; como parte de um propósito divino; como seres superiores aos outros presentes no planeta Terra; entre outras visões. O homem moderno, por sua vez, compreendia a grandiosidade da natureza e sua independência em relação ao ser humano — mas, ainda assim, se julgava capaz de dominá-la pelo benefício da humanidade. Com a chegada dos tempos contemporâneos, o ser humano se deparou com o pior lado de si mesmo: os resultados de tanta procura por poder se manifestaram na Primeira e Segunda Guerra Mundial, e eles não foram bonitos — ao menos não para todos. 

Para entender como a sociedade tomou esse rumo, é necessário voltar à modernidade, anos que sucederam a Idade Média — em que o conhecimento científico estava praticamente estagnado e preso à tradição - e que a busca por conhecimento renasce na humanidade e, dessa vez, vem para ficar. A filosofia estudada até então era baseada na que foi produzida na Grécia Antiga (em sua maioria), época em que o homem via a razão como sua maior virtude. Em oposição a essa tradição filosófica, na visão do filósofo moderno Francis Bacon o experimentalismo também era importante na busca do conhecimento. Para ele, o conhecimento tinha que ter alguma aplicabilidade - pois com esse tipo de conhecimento o ser humano poderia aprender a entender a natureza e dominá-la, essencial para expandir os horizontes da humanidade. Nota-se em seu raciocínio o início da busca da dominação da natureza, que se concretizou como motivação do homem na procura do conhecimento, assim como Bacon disse que deveria ser.

Ainda na Idade Moderna, outro filósofo duvidava da tradição intelectual que guiava seu tempo - e não só dela, mas duvidava de tudo. Para Renée Descartes, era necessário duvidar para alcançar o conhecimento, e assim como Bacon ele duvidou daqueles que o antecederam. Na visão cartesiana, muito do que foi produzido anteriormente era inútil para a humanidade em termos práticos e era por isso que o ensino tradicional era falho — para ele, a ciência deve ser usada para o bem do homem, o que pode ser feito através da dominação da natureza. Aqui, nota-se a semelhança no pensamento de dois grandes filósofos modernos: a ideia de que a ciência é o instrumento pelo qual o homem irá dominar a natureza para se beneficiar.

Por motivos óbvios, Bacon e Descartes não viveram para ver o que ocorreu nos séculos seguintes: ficariam felizes ao ver que o homem realmente buscou conquistar a natureza através do conhecimento científico. Porém, gostaria de saber o que diriam se vissem os grandes desastres ambientais causados pela busca incessante do homem por poder, ou episódios como o de Hiroshima e Nagasaki que foram causados pelo mau uso do conhecimento atômico. No filme "Ponto de Mutação" uma das personagens discursa sobre esse assunto, dizendo que abandonou a vida científica ao ver o que era feito com sua pesquisa que poderia ser usada para a evolução da medicina, mas foi aplicada no campo bélico. É evidente que, nessa busca pela dominação da natureza, o homem se perdeu na própria ganância: entre ter poder e garantir um mundo adequado para as futuras gerações, a humanidade escolhe a primeira opção sem pestanejar, mesmo que ela signifique destruição.

Há alguns séculos atrás, como na época de Descartes e Bacon, essa busca incessante por poder sobre a natureza fazia sentido — a humanidade não conhecia os próprios limites, quem dirá os da natureza. Entretanto, ainda ver o mundo como algo a ser dominado e explorado pelo homem depois de assistir todos os acontecimentos desastrosos que se sucederam por causa do mau uso da ciência é negligenciar a ganância dos seres humanos e a necessidade que a vida humana tem de um planeta 'saudável' — pois se a raça humana inteira for extinta, a Terra continuará existindo por milhões de anos, mas se a Terra perecer (como está perecendo agora pelas mãos humanas) a humanidade não dura um dia.

Portanto, é evidente que o pensamento de Bacon e Descartes em relação à natureza foram muito úteis e revolucionários para sua época. Todavia, agora que o homem tem uma clara noção dos limites naturais e éticos-sociais que não podem ser ultrapassados, é estupidez agir como se eles não existissem e viver sob pensamentos de quatro séculos atrás — isso pode ser exemplificado com uma frase do filme Ponto de Mutação: "É tolo uma sociedade apegar-se a velhas ideias em novos tempos como é tolo um homem tentar vestir suas roupas de criança." Se não pela natureza e sua singularidade, o homem deveria ao menos pensar em si mesmo já que é o que faz de melhor: como vamos viver em um planeta que destruímos? 


Camilly Vitória da Silva, 1º semestre de Direito - Noturno (Turma XXXVIII)

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