segunda-feira, 19 de julho de 2021

O início sinuoso da sociologia

 

O século XVIII, também chamado de século das luzes, foi um marco do desenvolvimento do cientificismo e das teorias políticas e econômicas burguesas da história europeia. Tal período caracterizou-se pelo nascimento do liberalismo, pela criação da teoria da laicização do estado, assim como a persistente defesa dos direitos da burguesia realizada pelos filósofos e pensadores da época. Influenciada por esses ideais, a revolução francesa de 1789, fruto dos anseios desse período, foi um marco determinante da ascensão burguesa ao poder político e econômico não só da França, mas também de todos os países europeus que também aderiram a esse movimento contra o antigo regime e contra os privilégios da nobreza e do clero.  Dentro desse cenário revolucionário, que ganharia vida novamente nas revoluções francesas de 1830 e 1848, Auguste Comte desenvolveu a teoria da filosofia positivista, aquela que viria a ser a primeira teoria social, a qual sujeitava-se ao estudo da sociedade e das leis atuantes no fenômeno social.  Até então, apenas as ciências naturais e exatas eram objeto de estudo nas universidades, cenário alterado por Comte, uma vez que o positivismo tinha por premissa o desenvolvimento de uma Ciência social.

 No entanto, apesar da revolucionária ideia de criar uma ciência social, sua teoria mostrou-se falha e retrógrada ao tentar aplicar ao estudo sociológico premissas e conceitos que, apesar de funcionais nos estudos das ciências naturais e exatas, não surtiriam semelhante efeito benéfico na sociologia nascente. Comte, ao usar do método Baconiano e Cartesiano, criaria uma metodologia de pesquisa sociológica enfadonha, pois pautar-se-ia na busca de fatos, os quais, observados empiricamente, conteriam a verdade sobre a realidade social do meio, algo hodiernamente muito polêmico, uma vez que a ideologia do pesquisador pode mudar completamente a sua visão de mundo a ponto de suas conclusões não condizerem com as observações de outro pesquisador, por exemplo. Atualmente essa premissa comteana foi superada, uma vez que toda e qualquer verdade científica, apesar de pesquisada e comprovada pela comunidade de maneira intersubjetiva, continua a ser transitória, sendo aceita até que outra teoria mais cabível a substitua. Vê-se, portanto, que nas ciências, sobretudo na sociológica, não há uma objetividade ou imparcialidade como Comte as defendia, sendo o método positivista de pesquisa verdadeiramente impossível e falacioso por julgar suficiente a simples observação dos fatos, e por defender a existência de verdades absolutas, uma convicção atualmente superada e não mais aceita pela comunidade científica.

 Além disso, outro fator problemático na filosofia positivista é o seu caráter estamental, visto que Comte defendia a ideia de que para uma sociedade ser funcional ela teria de desenvolver-se harmonicamente, com cada cidadão exercendo sua função social. A ideia dos “lugares sociais”, os quais determinariam papéis a serem seguidos por cada membro dessa sociedade, traz a tona a impossibilidade de mobilidade social entre as classes. Na sociedade positivista, portanto, cada ser deveria aceitar a sua condição, uma vez que, de acordo com a visão comteana, o coletivo se sobressaía ao anseio individual. A humanidade era o grande ideal de sociedade, vindo a ser, inclusive, a “deidade” consagrada na igreja positivista posteriormente formulada. Logo, é evidente que a ideia de culto à humanidade agia em detrimento do direito do ser humano, pois configurava-se como  um modelo de castas na sociedade, visto que o indivíduo, não sendo tão importante quanto o bem público, era, por conseguinte, somente mais uma ferramenta do coletivo. Tal concepção social do positivismo era amparada e justificada pelos conceitos de felicidade, a qual seria adquirida pelo indivíduo a partir da plena aceitação de sua condição social, aceitando inquestionavelmente seu trabalho de maneira conveniente e acrítica, e de solidariedade, a qual relacionava-se na filosofia de Comte com a ideia de todos a serviço de todos, cujos efeitos eram reforçadores da sociedade com classes imutáveis, porém, supostamente, felizes com suas posições. Ao se analisar essa concepção basilar da filosofia positivista, vê-se nela conceitos altamente retrógrados, que foram superados nas sociedades liberais e capitalistas que desenvolveram-se posteriormente. As teorias do liberalismo econômico, assim como as insurgências da luta por direitos do proletariado, sobretudo no final do século XIX, demonstrariam o absurdo que a sociedade estamental representava, tanto para o desenvolvimento do capitalismo, quanto para as relações sociais nas sociedades em que vigorava esse modelo econômico.

 Diante de tudo que foi estabelecido sobre a filosofia positivista, conclui-se, portanto, que, apesar de ser um importante marco do mundo científico, por ter sido justamente a primeira escola de pensamento sociológico, o positivismo de Auguste Comte mostrou-se retrógrado até mesmo para seu período, sendo, posteriormente, substituído por diversas filosofias sociais mais funcionais na análise do fenômeno social.  Isso se dá, não só por Comte ter se baseado em métodos científicos já atrasados( notadamente os de pensadores do século XVII ) na análise social, mas também por ter formulado um modelo de sociedade não condizente com os anseios das pessoas no contexto europeu do século XIX.

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