segunda-feira, 7 de setembro de 2020

Reforma da Previdência no Brasil: o discurso como meio de se exercer o poder e a dominação

 


Para Max Weber, a Sociologia é ciência da realidade, cujo objetivo é compreender o que se passa, conjecturando uma explicação para o sentido da dinâmica social. Para isso, utiliza-se do conceito de ação social, na tentativa de explicar cada ação individual inserida e influenciada por aspectos da cultura. Em síntese, o papel da sociologia compreensiva é explicar como as ações se dão, demonstrando quais fatores levam os indivíduos a agirem de certa maneira, compreendendo quais os valores e condicionamentos que interferem nesse contexto. Assim, uma determinada realidade social deve poder ser compreendida por pessoas de outras realidades, mesmo que elas não concordem com a ação em si.

Cada ação social - isto é, cada modo de condução da vida - está ligado a outras ações sociais, de modo que esta conexão produz uma relação social. A oportunidade contida, dentro desta relação, de que alguém possa impor sua própria vontade a outrem é descrita por Weber como o poder. A dominação, por sua vez, implica na probabilidade de se ter o comando de um conteúdo específico, tendo a obediência de um grupo de pessoas. O “tipo ideal” - a expressão máxima que pode ser encontrada na realidade de uma ação - da dominação, na perspectiva weberiana, é raro, não obstante os esforços do dominante, pois o dominado não aceita passivamente essa imposição.

Nesse contexto, as instituições operam no sentido de enquadrar as ações individuais, recorrendo, muitas vezes, a dinâmicas de racionalização para explicar ou justificar o poder e a dominação exercidos sobre os indivíduos. Dentre essas dinâmicas, está o Direito moderno, cuja racionalidade engendra a necessidade de uma previsibilidade, inerente ao capitalismo. A classe aspirante ao domínio pretende universalizar o Direito, a fim de tornar natural o seu modo de viver e de agir. Desse modo, o que acaba se tornando racional é aquilo que, para esta classe, do ponto de vista econômico, corresponde ao conveniente ou pertinente.

Um exemplo dessa situação, em que a classe dominante impõe o direito natural formal - vinculado a seus interesses -, foi a forma como se deu a aprovação da Reforma da Previdência no Brasil. Os argumentos utilizados - como o de que, sem a reforma, a dívida pública asfixiaria a economia ou de que “nosso nó fiscal é a razão primeira para a limitação do nosso crescimento econômico sustentável” (GENTIL, 2019, p. 7) e que a raiz desse nó era a despesa previdenciária - foram responsáveis por causar pânico social e, desse modo, serem defendidos até mesmo por aqueles que seriam mais prejudicados pela referida reforma.

Assim, estas ideias foram incorporadas inclusive por trabalhadores, que passaram a acreditar de modo convicto que a saída para a crise econômica era privatizar a previdência social. O grande empresariado brasileiro, no entanto, é que foi o ator social beneficiado, pois os fundos da previdência, ao elevarem a captação líquida e seus patrimônios, desobrigam os empregadores de pagar contribuições sociais e, consequentemente, de participar da solução dos problemas de cunho social do país, conforme aponta a economista e professora Denise Lobato Gentil (2019). Essa situação mostra como as condições materiais foram capazes de influenciar o direito formal, atendendo aos interesses daqueles que detêm o poder e exercem a dominação, cujos discursos têm mais probabilidade de ser captados e positivados, para que a calculabilidade do capitalismo se faça presente também no Direito.


REFERÊNCIAS


GENTIL, Denise Lobato. A falácia dos argumentos pela reforma. Le Monde Diplomatique Brasil, n. 141, p. 1-39, abr. 2019.



Fabiana Gil de Pádua - Turno Noturno

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