domingo, 6 de setembro de 2020

O poder e a flexibilidade do trabalho

    Max Weber foi um sociólogo, jurista e economista importante da transição do século XIX para o XX, visto que foi responsável pelo desenvolvimento de uma metodologia específica de pesquisa e análise da sociedade, bem como de conceitos fundamentais para a compreensão dos fenômenos sociais. Nesse texto, pretende-se integrar e discutir a questão dos conceitos de dominação e do tipo ideal, aliado ao direito relativo ao atual momento dos entregadores de comida no Brasil.

    Sabe-se que os entregadores, sejam eles associados a qualquer empresa, estão inseridos na moderna interpretação e relação capitalista de trabalho flexível denominada "uberização" (GIG Economy). Esses trabalhadores, sem nenhum vínculo trabalhista com as empresas e aplicativos de entrega (comida, produtos, etc.), carecem de todo e qualquer qualidade, direito e garantia laboral, tais como seguro de acidente ou roubo, boa remuneração ou férias. 

    Nessa perspectiva, em primeiro momento, trago a análise de Weber sobre o que é poder e dominação: "Entende-se por poder a oportunidade existente dentro de uma relação social que permite a alguém impor sua própria vontade mesmo contra a resistência e independentemente da base na qual esta oportunidade se fundamenta. Por dominação entende-se a oportunidade de ter um comando de um dado conteúdo específico, obedecido por um dado grupo de pessoas.(...) Na medida em que membros de uma associação estão sujeitos ao exercício legítimo de uma tal dominação, denominar- se-á "associação de dominação". (WEBER, 2002). Desse modo, podemos observar o poder das empresas de aplicativos no momento em que o Brasil atinge um desemprego avassalador e obriga a vários indivíduos a se submeterem, sem muitas possibilidades, a um regime de trabalho extremamente economicamente vantajoso para os aplicativos, em detrimento da sua própria saúde e dignidade.

    A dominação, por decorrência dessa desigual relação de poder entre os empregadores (aplicativos) e os entregadores, aparece no instante em que a associação dessas empresas milionárias decretam e perpetuam as condições precárias de trabalho sem vínculo trabalhista com os milhares de trabalhadores filiados às suas empresas. Dessa maneira, a relação econômica e laboral está toda nas mãos dessas empresas e conforme seus próprios benefícios e lucratividade, enquanto todas essas pessoas são quase que obrigadas a permanecerem nesse trabalho por necessidade de sobrevivência. 

    No tocante a isso, o direito pode ser acionado como maneira de procurar regulamentar essa desproporção entre os aplicativos e os trabalhadores, tanto que no dia 26/09/2020 foi votada e aprovada  na Câmara Municipal de São Paulo o projeto de lei 130/2019, responsável pela regulamentação da atual situação dos entregadores em plataformas de serviço como o Ifood, o Rappi e o Ubereats. Entretanto, é possível de se avaliar, em uma ótica weberiana, o direito como uma ferramenta fortemente influenciada pelo jogo de poder econômico entre as classes da sociedade, tal como discutido pelo autor no livro  Economia e Sociedade vol.2. 

    Nesse sentido, somente agora começou-se a olhar e procurar regulamentar o serviço desses trabalhadores, muito em função da importância e poderio econômico das empresas de aplicativo, donas de um enorme capital de giro e de lucros milionários. Então, durante todo esse tempo houve e se concretizou essa relação desigual para esses entregadores de maneira completamente distante das regras e leis trabalhistas vigentes no Brasil, como a CLT. Ou seja, a desregulação e injustiça referentes às condições de trabalho dessas pessoas está claramente vinculada à influência política e econômica na esfera do direito, o que demonstra o aspecto materialista e dominante de classe no direito e na sociedade, apontados por Weber na obra já citada. 

    Por fim, Weber propõe a metodologia social do "tipo ideal" como maneira de auxiliar na interpretação do mundo e da sociedade, a fim de possuir uma ideia o quanto mais próxima da realidade possível. Contudo, quase nunca as relações e fenômenos sociais obedecem ao aspecto do tipo ideal, visto que por ser ideal essa análise desconsidera possíveis intervenções externas e subjetividades, além de estar atrelada a uma escolha pessoal do autor para a formulação da abstração teórica. Exatamente nesse âmbito que o direito, no caso dos entregadores, se distancia do tipo ideal de uma legislação imparcial, justa e eficiente, visto que a questão econômica altera e manipula a execução e a própria legislação em prol do lado mais poderoso.     

João Cenamo - 1º ano matutino de direito. 

    

Referências Bibliográficas:

Sobre a "uberização" do trabalho: https://www.cartacapital.com.br/justica/a-uberizacao-das-relacoes-de-trabalho/. Acessado em 06/09/2020.

Sobre a PL 130: https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2020/08/27/sp-aprova-nova-lei-sobre-entregadores-de-apps-placa-vermelha-vira-duvida.htm#:~:text=A%20C%C3%A2mara%20Municipal%20de%20S%C3%A3o,iFood%2C%20Rappi%20e%20Uber%20Eats.

WEBER, Max. Economia e Sociedade – Fundamentos da Sociologia Compreensiva. Vol. 2. Brasília: Ed. da UnB: Imprensa Oficial, 2004. 

WEBER, Max. “Os conceitos de poder e dominação”. In: Conceitos Básicos de Sociologia. São Paulo: Centauro, 2002, p. 97-98.

    

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