segunda-feira, 24 de agosto de 2020

Os Riscos do Trabalhador Contemporâneo

 

Os pensadores do século XIX, Karl Marx e Friedrich Engels, desenvolveram o método do materialismo histórico dialético, ao analisar a sociedade através da perspectiva das classes sociais e as relações de produção. A partir do método marxista, Richard Sennett analisa as relações de poder na contemporaneidade, dissertando a respeito da condição de flexibilidade característica do sistema capitalista no século XXI.

A crescente competitividade, presente desde meados do século passado, condicionou ao capitalismo os imperativos chamados de acumulação flexível, que consiste na produção de acordo com a demanda. Ademais, com a intensificação da globalização, as empresas tornam-se flexíveis à medida que ocorre a hipercompetitividade, que resulta em reestruturação produtiva, relocalização industrial e fusões. Nesse contexto, a política neoliberal surge devido à necessidade de uma ideologia capaz de operacionalizar essas transformações.

Assim, as relações produtivas estabelecidas na configuração da acumulação flexível são caracterizadas pelo sintoma do risco e da incerteza, e a flexibilidade se torna uma exigência. Desse modo, o sistema capitalista contemporâneo exige trabalhadores que estejam dispostos a assumir o risco, sem calcular as consequências da incerteza.

Consequentemente, essa forma de ser flexível é um facilitador para casos velados de exploração do trabalhador, pois pessoas que estão em condições de pobreza e não tem consciência de seus direitos como trabalhador se submetem a trabalhos nos quais assume-se esse risco. O risco, muitas vezes, consiste na violação de direitos trabalhistas, como ocorre em muitos casos atuais nas empresas de delivery e a precarização do trabalho realizado pelos os entregadores de comida.

Um exemplo disso é o caso do paulista Thiago de Jesus Dias, entregador da Rappi, que ao realizar uma entrega num dia frio em que já trabalhava há horas, chegou no prédio do cliente com dores e mal estar. Quando foi notificado para a empresa a situação de Thiago, a resposta foi a solicitação para que a cliente desse baixa no pedido, para que pudessem avisar os outros clientes que as entregas não seriam realizadas, sem nenhum sensibilidade com o entregador. E somente depois de horas a família de Thiago conseguiu uma maneira de levá-lo ao hospital, mas a condição já estava em um estado grave, e ele morreu por morte encefálica na manhã do dia seguinte. 

Thiago era um entre vários entregadores de aplicativos de delivery que se submetem à longas horas de trabalho por dia, em condições precárias, assumindo o tal do risco proposto pela configuração de trabalho atual. Infelizmente, no caso dele o risco teve um resultado trágico. 

É possível analisar através da análise marxista a dualidade no caso entre empresa e trabalhador, sendo a primeira que obtém o lucro e enriquece a partir da força de trabalho do segundo, que assume os riscos e incertezas de uma relação de trabalho pautada na flexibilidade. Além disso, é questionável os limites permitidos dos tais riscos na sociedade contemporânea, sendo que muitas vezes há violação de direitos humanos sem a penalização adequada dos responsáveis envolvidos.


Pedro de Miranda Cozac - Direito Matutino


Fontes:

SENNETT, Richard. A Corrosão do Caráter: consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo. 14ª Ed. Rio de Janeiro: Record, 2009


    MAIA, Dhiego. Entregador do Rappi passa mal, é ignorado por empresa, Uber e Samu e morre em SP. Folha de São Paulo, São Paulo, 11 de julho de.2019. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/07/entregador-do-rappi-passa-mal-e-ignorado-por-empresa-uber-e-samu-e-morre-em-sp.shtml

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