segunda-feira, 24 de agosto de 2020

O lugar do capitalismo flexível na sociedade Brasileira

O século XXI é marcado pelo novo capitalismo, o qual tende a flexibilizar toda e qualquer relação social, econômica ou política. Tende a corroer o caráter, ao julgamento da visão de longo prazo como ultrapassada, à idealização do curto prazo com seu inerente imediatiadismo, à adaptação dos trabalhadores ao mercado e suas imprevisíveis volatilidades. Nesse contexto, há de se perguntar: há lugar para o direito nesse tempo do novo capitalismo, do capitalismo flexível? 

O Direito sempre teve seu lugar na humanidade, ele é um produto da sociedade desde que essa se reconhece como tal. Assim, desde muito antes dos romanos, o Direito é reconhecido como uma atividade que nunca se descola dos homens, o que Ulpiano caracterizou nas palavras Ubi homo ibi societas; ubi societas ibi jus (Onde está o homem, há sociedade; onde há sociedade, há direito). Logo, quanto ao questionamento citado, a resposta mais simplória é um categórico sim.  

Desse modo, o questionamento mais adequado seria se há lugar para direitos para as classes mais desfavorecidas, subjugadas e miseráveis; ou a quem serve o direito. Porque o direito sendo inerente ao ser humano, tanto pode servir para alimentar desigualdades quanto para impor igualdade e equidade.  

Na visão de Marx e Engels, os pensamentos da classe dominante é o pensamento dominante, regra essa que é atemporal, pensamentos esses que serão cada vez mais abstratos. Partindo da análise do século passado, no pós-guerra, a tônica era a reconstrução da Europa através do Plano Marshall, amparado no sistema de produção do fordismo e no capitalismo social - denominação essa dada por Sennet. Ou seja, a classe dominante da época tinha como objetivo capitalizar com a reestruturação dos países aliados, proporcionar estabilidade das instituições e, através do Estado de Bem-Estar Social, com o Capitalismo Social, trazer mais dignidade às populações, valor gravemente aviltado pela Grande Guerra. 

No entanto, não é o que ocorre na atualidade. Como pode ser constatado, os “líderes” empresariais, influenciadores da direita extremada - que é alinhada ao atual governo - ministros alinhados ao ultraliberalismo, todos esses pelos quais pode ser inferido como os representantes da atual classe dominante, a tônica já se distancia daquela do século passado. O que essa classe dominante prega é os ganhos capitais de curto e curtíssimo prazo, precarização do trabalho sob a faixada de empreendedorismo, instabilidade como nova marca de sucesso profissional, tomada de diversos, muitas vezes perigosos, riscos econômicos como se fossem perfeitamente naturais para uma carreira ideal. Dessa forma, evidencia-se o aumento na abstração dos valores, os quais cada vez mais são menos compreendidos pelas massas populacionais; o que era no passado trabalho - poupança - família, hoje é a faixada empreendedorismo - desregulamentação - adaptação. 

Cabe ressaltar que atualmente o lugar do direito no Brasil é proteger e beneficiar a classe dominante que opera o capitalismo flexível. Todavia, os direitos que protegem e beneficiam as demais classes estão todos positivados no ordenamento jurídico brasileiro. Portanto, o que falta para que o direito tenha lugar e, mais importante, efetividade para a parte mais desfavorecida da sociedade em tempos de capitalismo flexível é a atuação política. Não aquela que se baseia em discursos vazios em sem impacto real e que não tem apoio majoritário da população, mas sim o trabalho minucioso e vagaroso de educar politicamente a população, assim como esse novo capitalismo foi capaz de convencer pessoas a adentrar em seu sistema de forma pacífica, o que Marx e Engels diriam ser a instituição de uma Divisão do Trabalho voluntária e não natural, e por isso mesmo solidificada na sociedade. Além disso, é necessária uma atuação conjunta dos diversos operadores do direito em defender para toda a população os direitos concernentes a ela, associado a atuação conjunta dos partidos políticos em discutir a realidade com a sociedade, propor e consolidar mudanças através dos representantes eleitos. Por fim, considerando que todo o poder emana do povo e que esse mesmo povo, gradativamente mais alienado, que não reconhece a classe que pertence, sua própria precarização do trabalho e mesmo os seus direitos, esse poder continuará a fluir para a classe que domina e oprime, em vez de fluir para aqueles que estão de fato engajados para a luta para a proteção contra a dominação e opressão. 

 

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