domingo, 23 de agosto de 2020

Figurinos inéditos, enredo monótono

    

Na obra cinematográfica “Tempos Modernos”, protagonizada pelo cineasta britânico Charles Chaplin, são retratadas as conjunturas sociais e trabalhistas da classe operária na primeira metade do século XX. Nesse sentido, o filme foca no cotidiano do personagem de Chaplin, o qual tem sua rotina de trabalho rigorosamente controlada dentro da lógica do modelo fordista de produção. Nesse contexto, a trama evidencia o quão permeável as massas sociais são aos ideais burgueses, já que todo o ordenamento social seria diretamente influenciado pelas características das relações de trabalho e produção, as quais seriam ditadas por essa classe hegemônica. Todavia, atualmente observa-se que os modelos de produção já não se assemelham mais com o fordismo retratado no filme. Assim, convém analisar, sob a ótica da sociologia marxista, a posição do operário moderno e seus direitos frente a essa nova ordem capitalista.

A princípio, é pertinente reconhecer, em uma primeira análise, que Karl Marx e Friedrich Engels, dois importantes pensadores do século XIX, foram responsáveis pela elaboração de diversas ideias que ajudaram a compreender as relações de poder na sociedade. Isso porque, como se pode constatar na obra “A Ideologia Alemã”, os dois sociólogos europeus formularam a tese do materialismo histórico-dialético, a qual, ao contrário do idealismo hegeliano, encara o meio material como base para o estudo e compreensão da história e das relações sociais. Com base nisso, os pensadores evidenciaram a situação de vulnerabilidade da classe operária frente à ordem capitalista que se desenvolvia acentuadamente desde a Primeira Revolução Industrial no século XVIII. 

Na esteira dessa lógica, foram concebidas, por exemplo, as noções de mais-valia e alienação do trabalho. Essas críticas ao sistema capitalista podem ser aplicadas ao filme “Tempos Modernos” pois o personagem interpretado por Chaplin, embora trabalhasse intensamente, recebia uma remuneração pouco condizente com isso (mais-valia), além de ter de se ver obrigado a vender sua mão de obra ao industrial, sem sequer ter uma percepção adequada disso (alienação do trabalho).

Contudo, o cenário hodierno de ordenação da produção já não se assemelha muito ao retratado no filme estadunidense: com a intensificação do processo de globalização, no final do século XX, e a vinda do toyotismo como o protagonista da trama mercadológica, teve-se alterações notáveis no modo de se produzir. Isso porque, como efeito dessas novas transformações, o rígido modelo fordista cedeu lugar a um modelo mais maleável; as enormes estruturas fabris centralizadas agora dialogam com terceirizadas distantes; e as leis trabalhistas são gradativamente despidas.

Esse reordenamento da produção, de acordo com Richard Sennett no livro “A Corrosão do Caráter”, conferiu ao capitalismo atual uma feição de arquipélago, posto que as tarefas são segmentadas e interligadas entre si. Ademais, Richard também chama atenção para a supressão da “burocracia” a fim de que o livre comércio empresarial possa transcorrer mais facilmente, dando, assim, origem a novas relações trabalhistas. Nesse âmbito, verifica-se que a nova realidade na qual o operário está sujeito ainda dialoga com as ideias de Marx e Engels: ao buscar primordialmente a maximização dos lucros, as grandes empresas tendem a livrar-se dos mecanismos de proteção aos trabalhadores e, por conseguinte, a intensificar a sua situação de fragilidade.

É a partir daí que tem-se a preparação do Estado mínimo e de muitas das características neoliberais a ele atreladas que se fazem presentes na atualidade. Dessa forma, pode-se compreender que o gradual desmantelamento do Estado de bem-estar social encontra-se dentro dessa nova fase do sistema capitalista. No cenário nacional, por exemplo, observa-se essa ideia ecoar na tese de redução do chamado “custo Brasil”, a qual passa, obrigatoriamente, pela flexibilização das leis laborais. A Reforma Trabalhista, aprovada em 2017, é uma das medidas que dialogam com essa noção, uma vez que ela não só legitimou a jornada de trabalho contínua por 12 horas, como também abriu possibilidades para negociações entre o operário e o empregador.

Ora, se o trabalhador não detém coisa alguma dos meios de produção e ainda depende de sua mão de obra para sobreviver, não há razões para acreditar que eventuais negociações se darão de forma equivalente para ambos os lados. Portanto, depreende-se que, na atual ordem do capitalismo flexível, a classe operária encontra-se tão fragilizada como em tempos atuais. Afinal, a impressão que se tem é de que essa contemporaneidade trata-se quase que de uma reprise de uma mesma trama melancólica: os figurinos e os ambientes são outros; os atores e o enredo, porém, são os mesmos.


Fábio Eduardo Belavenuto Silva- 1º ano de Direito- Matutino



Nenhum comentário:

Postar um comentário