segunda-feira, 24 de agosto de 2020

As relações da precificação humana com o ambiente de trabalho

 Quando as ideias protestantes de Martinho Lutero ganharam força e alcançaram demais nomes importantes, como João Calvino, diversas mudanças na forma de interpretar o homem na sociedade foram alteradas. A criação do Anglicanismo fez emergir a teoria da Predestinação, que dizia que ao nascer, o homem já teria seu destino definido até o dia de sua morte, e a salvação seria pré anunciada por meio do sucesso monetário. Com esse estímulo, os labutantes passaram a se voltar mais à produtividade, trabalhando arduamente para provarem-se escolhidos.

  É possível compreender pelo exemplo citado, que há muitos séculos a valorização do ser humano esteve, de certa forma, atrelada ao seu serviço. Contudo, é possível identificar uma intensificação dessa associação durante a Revolução industrial, quando a produtividade era fator determinante de prestígio (ainda que aqueles que se destacavam no serviço não conquistavam boas condições de trabalho). O tecnicismo, valorizando extrapoladamente a forma ao invés do conteúdo passou a ser incorporado às pessoas, que inevitavelmente, perderam sua individualidade.

  Nesse contexto, Marx teorizou sobre o valor incontrolavelmente dado às mercadorias, escrevendo sobre o “Fetichismo da Mercadoria”. Para ele, o Capitalismo gerava a sensação de necessidade do consumo dos bens materiais. Dessa forma, a produção ganha um aspecto autônomo, gerando produtos que não mais precisam ser de interesse humano, mas que estimulem o giro do capital, existindo uma produção que ultrapassa a necessidade. Como consequência disso, a mercadoria tomaria uma “consciência” de ser, tendo o poder de definir o que será pretendido pelo homem e passa a ser “adorada” pelo consumidor, que já não se importa com o processo da extração material até chegar às mãos do comprador, que comumente atravessa cenáios de exploração do trabalhador, se não escravidão. Por fim, há uma inversão de valores entre homem e objeto, sendo este subordinado daquele, que agora é o manipulador da relação direta entre os dois. Não à toa, o perído compreendido entre as duas primeiras revoluções industriais foi marcado por práticas cruéis e insensíveis de exploração, com cargas horárias que chegavam a até 16 horas diárias, sem dias de descanso e extremamente mal remuneradas.

  Há quem chame essa crítica (feita hoje) de anacronismo, já que os valores atuais são completamente diferentes daqueles presentes naquela época. E por mais que seja realmente necessário ter cautela ao fazer esse tipo de análise, é inegável que essa exploração pelo ploretário tinha seus requintes de “indignidade”, já que anteriormente as relações de trabalho não se davam com tamanha diferença entre patrão e empregado, como no próprio caso do período das reformas protestantes, em que existia a disparidade entre os dois, mas não de forma tão vil.

  Me questiono do porquê dessa mudança ter acontecido tão acentuadamente, e dentre várias hipóteses, é considerável que, a partir do momento em que o chefe passou a ter a posse dos MEIOS DE PRODUÇÃO, não apenas a habilidade de quem exerce um ofício (como antes era), e passou a ter um grande contingente de funcionários, houve um distanciamento entre eles, e a impessoalidade foi um dos principais fatores da ausência de empatia, o que resultou nesse alto grau de exploração.

 Trazendo essa pauta para os dias atuais, não é difícil perceber que essa relação entre o indivíduo e sua função ainda é muito considerável e, talvez, até mais intensa. Tomemos como exemplo a forma com que são tratados imigrantes e refugiados: a má recepção deles se baseia na “ameaça” de maior concorrência de emprego e pela “não contribuição” deles para o país, de forma com que sejam tratados como descartáveis, o que ficou explícito com o atual episódio em que imigrantes estabelecidos na Grécia foram despejados em alto mar em botes e coletes, expulsos do país. Despejados pois não ocupavam grandes cargos, nem geravam grandes fortunas, essa baixa contribuição econômica com o Estado inflama o real sentimento xenofóbico e desumano de que pessoas são descartáveis, e o que importa na verdade são as suas vidas profissionais.

  Outro aspecto que convém citar é a crescente da ideologia liberal, que trás consigo a relação predatória entre empregador e empregado. As leis trabalhistas são a proteção da classe empregada no Brasil, garantindo-a férias, décimo terceiro salário, dias de descanso semanais e outras necessidades básicas, porém, recentemente, tem se discutido sua reforma, influenciando no enfraquecimento dos sindicatos, o que teria como uma de seus resultados a negociação direta entre os contratante e contratado, favorecendo situações de chantagem e coerção. A reforma trabalhista trás consigo dois pontos, por um lado, a flexibilização das leis aumentaria a oferta de emprego, o que é, a princípio, necessário no atual cenário de mais de 12 milhões desempregados no país. O motivo que diminuiria o número de inativos é o mesmo que preocupa na flexibilização: quanto menos direitos os patrões tiverem que garantir para seus empregados, mais fácil de sustentá-los no cargo, uma vez que terão menos gastos por pessoa em sua empresa, no entanto, essa “facilidade de contratação” reflete más condições que os trabalhadores terão de enfrentar, algo que pode se tornar comum ao longo do tempo, deixando esse tipo de tratamento cultural e estabelecido até mesmo em tempos de prosperidade econômica, o que significaria um país futuramente (mais) decadente no âmbito de garantias para a população mais vulnerável.


Gabriel Nogueira C. Q. Santos - Noturno

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