domingo, 19 de julho de 2020

DO PROGRESSO AO ÓCIO: Uma crítica a “sociedade da produtividade” em tempos de pandemia


Durante a maior crise de saúde dos últimos 100 anos determinadas estruturas sociais são restabelecidas na sociedade brasileira. O conjunto de políticas públicas ineficientes, má administração pública, crise humanitária e descaso social são um dos fatores que permitem o reaparecimento de tais estruturas enraizadas no país. Após seis meses da tentativa de distanciamento social, para conter a proliferação do Corona vírus, é possível identificar o crescimento da produção cientifica. Segundo dados do portal de notícias Diplomatique Brasil, as pesquisas acadêmicas dobraram desde o início da pandemia, principalmente entre homens.
Nunca antes, o lema positivista “Ordem e Progresso” inscrito em nossa bandeira, teve tanto sentido. A pandemia gerou, em determinadas parcelas da sociedade, a necessidade do cuidado com o outro. O altruísmo coletivo em detrimento do egoísmo individual são características marcantes do início da segunda década do século XXI. A ordem impera na tentativa de conter novos casos e consequentemente novas mortes.
Porém como mencionado anteriormente o crescimento produtivo de parte da população são consequências do ‘Novo Normal’. A ideia do trabalho a distância, o aumento do uso de novas tecnologias são características que permitiram o constante progresso da sociedade contemporânea. Assim, se retornarmos ao início da formação da república brasileira, nos meados do século XIX, as visões da corrente positivista prevaleciam sobre qualquer outro pensamento. Dessa forma após aproximadamente 130 anos da construção de nosso sistema político, vivenciamos a produção cientifica e acadêmica cada vez mais desenvolvida na sociedade brasileira. A ideia do constante progresso, da utilização produtiva do tempo, ou até mesmo do ócio criativo, lema muito desenvolvido na contemporaneidade, são aspectos similares, ou até - arrisco dizer - os mesmos, que do início de nossa república.
Sendo assim, o desenvolvimento das relações humanas cada vez mais sucateadas pelo ideário de produção é intensificado com a calamidade pública, desencadeada pelo Corona Vírus. Logo, essa concepção linear e evolucionária do positivismo, de um constante progresso científico não leva a superioridade social, como previa Comte, mas sim ao descaso com o diferente e a frustração pessoal.
Aliado ao que foi anteriormente exposto, nas últimas semanas, repercutiu nos meios digitais, as falas do rapper Emicida no programa Papo de Segunda. Em suma, a visão de uma das maiores vozes do rap brasileiro, convergem para a crítica desse constante progresso positivista enraizado na sociedade brasileira. O trecho compartilhado nas redes sociais refere-se a exaustão do artista em estar sempre produzindo, isto é, a pressão imposta pela sociedade de estar sempre utilizando todo seu tempo para novos lançamentos. A frase “(...) quero estar cortando a unha do pé, assistindo um programa de culinária” auxilia a entender a crítica contida no ideário de constante progresso social.
Dessa forma, se relacionarmos a ideia do avanço do pensamento científico, nota-se paridade com as estruturas do início da contemporaneidade. Comte, considerado o pai da sociologia, influenciou diversos pensadores posteriores, com a ideia da constante superação empírica, isto é, a doutrina positiva, quando questiona as bases epistemológicas do conhecimento e propõem uma nova reflexão acerca da condução do pensamento social, busca classificar a maneira de se fazer ciência.
                Embora, o avanço científico, proposto por Comte, seja de grande importância para a humanidade, deve-se ter em mente a situação histórica em que todos se encontra. As falas do rapper, são extremamente puras e coesas com o contexto social, político e econômico que vivemos. Enquanto, pessoas perdem seus empregos, colegas de trabalhos e até mesmo familiares, para uma nova doença, todos os aspectos psicológicos e comportamentais do individuo deve ser levado em consideração. Assim, exigir da sociedade o aproveitamento extremo do tempo para a constante evolução profissional do ser, baseado em um ideal positivista da evolução humana, é ignorar totalmente as essências de cada um e corroborar para a reificação do indivíduo.


Rafael Bronzatto - Direito Matutino | UNESP

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