domingo, 26 de julho de 2020

Contra Fatos Não Há Argumentos – Entendendo o Texto “Mentiras Gays” de Olavo de Carvalho Através da Ótica Positivista


Olavo de Carvalho sempre foi uma figura com posições ultraconservadoras controversas, de declarações conspiracionistas absurdas até regurgitações infelizes do senso comum brasileiro, ele lentamente se tornou o ninho intelectual da extrema direita brasileira que culminou com a eleição do atual Presidente Jair Bolsonaro. E nesse ensaio, publicado inicialmente em 1995, não há grandes diferenças: nele, Olavo pretende argumentar contra o que ele chama de “mentiras gays” que, supostamente, a comunidade LGBT+ tenta espalhar como verdades.
Se passaram 25 anos da publicação original do texto, porém pouco do discurso homofóbico do autor (e da própria direita) mudou e, por isso, é interessante tentar compreender a lógica positivista que ele utiliza para poder justificar seu posicionamento de aversão com uma comunidade marginalizada.
O positivismo é, essencialmente, um modo de olhar para o mundo através a perspectiva do método científico. Apenas aqueles objetos e eventos que podem ser experimentados diretamente devem ser objetos de questionamento científico. Isso significa que para positivistas exitem fatos que são objetivamente verdadeiros e que, através da observação e experimentos, eles podem ser descobertos.
E é isso que Olavo tenta, de maneira falha, fazer nesse texto. Seu primeiro argumento no texto é que pessoas gays não são marginalizadas e perseguidas pois “alguns dos tiranos mais sanguinários da História foram gays, entre outros Calígula e Mao Tsé-tung”. Esse tipo de argumento é positivista pois tenta explicar um fenômeno através de exemplos “científicos”, porém é falho tanto porque é anacrônico (Calígula era um general romano e as definições de sexualidade da Roma antiga, contra os desejos de supremacistas brancos de hoje em dia, eram completamente diferentes de uma Europa católica de hoje) tanto porque não considera que existem numericamente muito mais “tiranos sanguinários” que foram heterossexuais que homossexuais.
Percebendo, então, a fraqueza de seu argumento com casos tão isolados (lembre, ele ainda tenta usar uma lógica positivista, o que o obriga a olhar para a sociedade como um todo e não só uma parcela), Olavo tenta argumentar que casos assim não são a exceção e sim a regra por causa da ocorrência de casos de escravidão sexual masculina em colônias europeias. Ora, esse argumento, para qualquer mulher, soa risível. Segundo o Relatório Global sobre Tráfico Humano de 2018, 70% das vítimas globais de tráfico humano são mulheres e, dentre essas mulheres, 70% são exploradas sexualmente comparados aos 27% dos homens. É completamente ridículo usar dessas atrocidades como argumento para o mal inerente na homossexualidade porque a porcentagem que essas mesmas violações acontecem com mulheres é astronomicamente maior. Para cada violência cometida por homossexuais podem se citar dez mil cometidas por heterossexuais. Isso não muda que nenhum hétero sofre apenas por ser hétero, o que não é um tratamento concedido a pessoas da comunidade LGBT+.
Após isso, de maneira bem positivista, Olavo tenta então questionar o próprio delineamento que constitui alguém considerado homossexual assim como qualquer físico ou químico tentaria, inicialmente, definir o objeto de seu estudo, seja ele a energia ou um estrato social. Em um discurso que ignora completamente a existência de pessoal bissexuais e afins, ele cria uma forma de homossexualidade normativa onde, de acordo com ele, a comunidade gay define sexualidades através da presença da atração de uma pessoa por alguém do mesmo gênero e não pela ausência da atração por gêneros opostos. É, novamente, um argumento que beira o ridículo de tão destoante da realidade, tendo em consideração que a Escala de Kinsey, que define os espectros da sexualidade, foi criada em 1948, quase meio século antes da publicação desse artigo. Uma pessoa bissexual, independente de onde ela se encaixe na escala, sempre acaba sendo definida e oprimida por se sentir atraída pelo mesmo gênero – o próprio Lorde Byron, que Olavo fala que “transou com duas centenas de mulheres e meia dúzia de rapazes” teve que se divorciar e fugir da Inglaterra por causa de rumores de sua bissexualidade.
Após isso, Olavo tenta tanto atribuir quanto retirar valor de sexualidades através de seu valor evolutivo. Segundo ele, a homossexualidade não deve ser tratado como a heterossexualidade porque não possui nenhum poder reprodutivo de continuação da espécie e, portanto, não é necessário. Esse é um argumento essencialmente positivista pois coloca o “bem do grupo” acima do “bem individual”, onde a manutenção da moral é importante para a manutenção da ordem, não importando quais sacrifícios individuais são necessários. Está subentendido que, para Olavo, a própria aceitação da homossexualidade corromperia essa moral que mantém a sociedade no progresso, e esse é o real cerne de sua homofobia: ele tem medo do que a sociedade seria sem as limitações da moral conservadora. O problema desse argumento é que, nós já sabemos o que seria: a humanidade sempre teve indivíduos que se encaixariam no que nós definimos como a comunidade LGBT+ hoje em dia e, em várias civilizações da antiguidade e da modernidade não-ocidental, eles eram aceitos como todos os outros e isso nunca teve impacto nenhum na continuidade reprodutiva de uma sociedade ou em sua habilidade de progresso.
O problema central tanto do positivismo tradicional quanto o da versão distorcida Olavo de Carvalho se encontra no fato de que uma sociedade que sacrifica direitos humanos do indivíduo pelo suposto “bem comum” de um todo simplesmente não merece ser defendida, não tem como divorciar o bem do coletivo com o bem do indivíduo porque um compõem o outro. É uma instrumentalização da ciência e da sociologia em que o mais fraco sempre é a vítima, o mais vulnerável sempre se torna o bode expiatório para um todo que nunca defendeu seus interesses.



Isadora Lima Ribeiro - 1o Semestre - Direito/Noturno

estatística da ONU
publicação da Escala Kinsey
biografia do Lorde Byron

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