segunda-feira, 20 de abril de 2020

Olhos fechados


Há muitos anos, as ciências humanas, principalmente as sociais, vêm sendo desvalorizadas, quer seja no dia a dia e no senso comum, quer seja em seus âmbitos de atuação. Corriqueiramente, elas são vistas como inúteis ou improdutivas, e, em suas próprias áreas de especialidade, há descrédito daqueles que as pesquisam. Nos tempos atuais, entretanto, essa desvalorização parece estar se espalhando para as chamadas “hard sciences”, ou seja, aquelas ciências que são lidas como mais objetivas, diretas e comprováveis: a grande maioria das exatas e biológicas.
Já faz algum tempo, os negacionistas científicos vêm se tornando mais comuns, seja com relação ao aquecimento global ou mesmo a forma do planeta Terra. Essa tendência preocupante acha os mais diversos meios de se alastrar e, agora, com a crise do Covid-19, ela se torna extremamente popular. Há diversas teorias obscurantistas quanto à “verdade” sobre a pandemia que atravessamos, mas é interessante observar um padrão comum: a noção de que a mídia manipularia as informações sobre o novo coronavírus com o intuito de prejudicar um líder político; tal teoria tem força principalmente nos Estados Unidos, sendo que o próprio Donald Trump disse que a doença é um “embuste Democrata” para prejudica-lo em ano de eleição, e no Brasil, onde os mais investidos apoiadores de Jair Bolsonaro estão convencidos de que tudo se trata de uma farsa para prejudicar os supostos avanços econômicos de sua gestão.
No caso estadunidense, apesar do país registrar o maior número de casos no mundo todo e um crescimento preocupante das mortes por Covid-19, já ocorrem manifestações pedindo o fim do isolamento social e a reabertura da economia, o que começa a se repetir no Brasil, ignorando as recomendações de epidemiologistas e da OMS. Trata-se de um momento delicado pois, por se tratar de uma nova doença, as informações que cientistas possuem sobre o vírus são escassas, e as respostas que eles entregam não são definitivas. Assim, se torna muito mais fácil recorrer ao senso comum e às teorias da conspiração, que entregam respostas prontas e simples.
É importante, entretanto, observar que o questionamento e a dúvida são parte indispensável do pensamento científico, e que, no último século, a própria forma de fazer ciência, até então moderna, cartesiana, vem sido questionada e criticada. A diferença entre críticas válidas e tendências obscurantistas parte de como são realizadas; mesmo para as dúvidas, correções e novas hipóteses, a presença de um método, comprovável e lógico, é imprescindível. Em suma, a ciência é corretamente questionada por mais ciência, construindo um conhecimento em constante evolução.
Por fim, é importante perceber que, se o conhecimento científico é tão pouco compreendido, isso se deve, em parte, a falta de acessibilidade relacionada a ele. Em uma sociedade na qual a ciência fosse discutida de forma ampla e realmente compreendida, a maior preocupação nesse momento seria a crise pela qual passamos, e não aqueles que insistem em fechar os olhos para convencerem a si mesmos de que tudo está bem.


Sofia Malveis Ricci
Direito - 1º ano (noturno)

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