segunda-feira, 28 de outubro de 2019

A narrativa dos ''vencedores'' e a inadmissibilidade da incompletude


 Na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4439, decidida como improcedente pelo STF, houve a explícita permissão de ensino religioso confessional nas escolas públicas. Ou seja, a autorização para que se possa ministrar aulas sobre uma determinada religião, ao invés de fazer desse ensino uma apresentação das diversidades de credo e suas doutrinas.

 Segundo Boaventura de Sousa Santos, os discursos hegemônicos privilegiam a narrativa dos ‘’vencedores’’. Tendo em vista a história do Brasil, em que a Igreja Católica teve papel de grande influência nas esferas político-sociais, é fácil de se perceber que a religiosidade cristã é privilegiada pela permissão de um ensino confessional.

 Ainda que a disciplina seja facultativa, um modelo de ensino pautado em uma só doutrina religiosa traz problemas para além de ferir a laicidade do Estado. Colocar um localismo globalizado – que, no caso da cristandade, já possui um histórico de dominação de cima para baixo – como única filosofia dentro de uma disciplina que seria tão diversa acaba por enfraquecer a noção de importância dos demais credos. Ademais, todo esse processo de implantação de ensino religioso pode acabar por reforçar ainda mais o preconceito contra as religiões oprimidas; como as de matriz africana, alvos constantes de discriminação. Assim como Santos descreve que o dharma não se preocupa com os princípios da ordem democrática e tende a esquecer que o sofrimento humano tem uma dimensão individual e irredutível, aqui, quem sofre não é a sociedade, mas sim os indivíduos. Por isso, é necessário que se pense nas muitas situações de violências – físicas, psíquicas ou simbólicas – que podem advir de um ensino não-plural.

 Como coloca Boaventura de Sousa Santos, ‘’temos o direito a ser iguais quando a diferença nos inferioriza; temos o direito a ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza’’. Inserir um ensino confessional é menosprezar ainda mais o lado dos ‘’vencidos’’, é admitir a própria incapacidade de enxergar que seus valores não são universais. Por isso, uma hermenêutica diatópica se faz fundamental para que haja uma compreensão da incompletude mútua das culturas.

Anielly Schiavinato – direito noturno

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