sexta-feira, 4 de outubro de 2019

A contemporaneidade de Madame Satã


João Francisco, mais conhecido como Madame Satã, foi um transformista, negro e homossexual, que viveu sua juventude na primeira metade do século XX, na sociedade racista e homofóbica carioca. Vindo do nordeste brasileiro aos 13 anos, João passou boa parte de sua adolescência na rua, onde conheceu a principal expressão da marginalização social causada pela sua condição. Apesar de o filme retratar a sociedade carioca da década de 1940, como os palestrantes do coletivo Casixtranha demonstraram na Semana da Sexualidade promovida pelo Centro Acadêmico de Direito da Unesp - Franca , infelizmente a situação dos negros homossexuais continua praticamente a mesma.
A marginalização desses indivíduos começa desde seu nascimento em consequência da cor de sua pele. Ela é consequência de um processo histórico que tem como causa a escravidão negra e a não assistência do Estado ao negro após a abolição. Dados atuais mostram que a população negra é, apesar das legislações acerca do racismo, a que mais morre no país, a que mais sofre com a pobreza e a que mais sofre com o processo de encarceramento. Portanto, não importa quantas vezes se repita uma mentira, ela nunca se tornará verdade se não houver uma mudança da realidade. Assim, não importa quantas vezes se repita que o Brasil não é um país racista devido à sua grande diversidade, isso não será verídico enquanto os dados reais não mudarem.
Além disso, soma-se a essa condição a marginalização do homossexual na sociedade machista e homofóbica brasileira. Essa situação, cada vez mais agravada pelo preconceito que coloca filhos para fora de casa e os assassina-os, tornou-se tão comum na sociedade brasileira que não impacta mais a população. Desamparados por suas famílias e invisíveis para o Estado, tais indivíduos buscam por sua sobrevivência nas inóspitas ruas brasileiras.
Assim, buscando contornar essa situação e compensar o desemparo e a omissão do Estado em frente à esses indivíduos, o Judiciário brasileiro promoveu a chamada criminalização da homofobia. Processo, porém, que acabou sendo criticado por parte da população com a desculpa de que o Judiciário não usou vias constitucionais para isso. Porém, observa-se que, na verdade, isso é apenas uma reação da parcela conservadora da população brasileira que, em pleno século XXI, insiste em manter tais discriminações enraizadas na sociedade.
Termino esse texto com estes simples versos de autoria própria com a intenção de provocar no leitor, assim como o filme Madame Satã, uma reflexão acerca da situação do homossexual negro na realidade brasileira.

Preto, pobre, homossexual
Não importa se é noite ou dia
As tantas Madames Satãs que lutam por sua vida
São mortas em plena avenida

Não impactos pela grande anomia
Há ainda quem implique com a criminalização da homofobia

Bianca Garbeloto Tafarelo - Direito Matutino

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