domingo, 1 de setembro de 2019

O Direito e o interesse burguês

   Quem se interessa pelo Direito como instrumento de libertação se defronta, durante os estudos e a prática jurídica, com uma pergunta feita por Boaventura de Souza Santos: pode o Direito ser emancipatório? A estudiosa Sara Araújo se dedicou a entender qual é a lógica do pensamento moderno. Para ela, a ciência que possuímos tem como objetivo principal a reprodução de padrões europeizados, ou seja, cópias das sociedades que outrora colonizaram boa parte do mundo. Assim, a ciência busca um conhecimento de valorização do que vem da Europa (e dos Estados Unidos, desde o século passado) em detrimento de qualquer outra sociedade, que é normalmente pautada de forma maligna ou satírica. Se estabelece uma busca de conhecimentos que não passa de um evolucionismo velado e "atualizado". Araújo trabalha com o conceito das Epistemologias do Sul, que seriam as ciências das regiões do Sul do globo. Essas, desde sempre são caladas e inferiorizadas, seja pela falta do que dizer, seja pelo desconhecimento da forma de dizer. As ciências nativas vivem na trilha de formas exportadas que, na maior parte das vezes, não fazem sentido nas sociedades.
  Esse método científico é visto, também, no Direito. Esse é cada vez mais tecnicista, sendo comercializado atualmente inclusive na figura das startups jurídicas. Essa reprodução tecnicista é uma forma de manutenção dos antigos padrões e de esquecimento da importância do ser humano em detrimento do mercado, por exemplo. Nesse sentido, passou-se, em 2001, um caso pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que reflete tudo o que é dito por Araújo. Um latifundiário foi à justiça visando a reintegração de posse de uma fazenda que passara a ser um assentamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o polêmico MST. A Fazenda Primavera, ao que foi entendido à época, era improdutiva e não cumpriria a função social prevista constitucionalmente. É um caso que explicita como o Direito serve, na maior parte das vezes, ao interesse dos grandes. Nesse caso, porém, o tribunal respondeu em favor do Movimento dos Sem Terra. Para desespero do latifundiário, foi entendido pelos magistrados a importância de que a posse da terra seja de quem a de fato utiliza. A terra por e pelo povo.
   Independente desse caso, vale a reflexão como futuros membros do sistema de justiça do país. O Direito é uma área extremamente elitizada e, assim, ele vai servir aos interesses sociais quando lhe convir. É importante que haja uma constante monitoração da sociedade para os limites do que é cabível ao sistema jurídico e do que extrapola. Os processos de judicialização podem servir à sociedade mas também podem tomar o caminho contrário, que é o previsível segundo os estudos de Sara Araújo e de Boaventura de Souza Santos. A extrema liberdade e confiança por vezes dada aos magistrados tem altas chances de gerar casos polêmicos como a Operação Lava Jato, uma operação enviesada e mais política do que jurídica. Ao tratar a classe da magistratura que temos hoje como sumidades se assume o risco de manter e, talvez, aumentar o poder dos interesses burgueses em uma sociedade já tão estratificada.

Gustavo Carneiro Pinto
1º Ano de Direito - Noturno

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