domingo, 1 de setembro de 2019

Epistemologias que se excluem, abismos que se abrem


Os ordenamentos jurídicos mundiais atualmente estão passando por um processo de homogeneização, baseada nos fundamentos capitalistas de que todas as estruturas da vida social devem ser semelhantes em todo o mundo.   Assim, ele é formulado utilizando-se de ideais provenientes das epistemologias do Norte, isto é, do hemisfério Norte, onde se localizam os países com maior desenvolvimento econômico do mundo. Como resultado, temos em diversos lugares do mundo ordenamentos que não se adéquam a esses princípios, uma vez que não foram feitos considerando a realidade social desta localidade.

A esse fenômeno, Sara Araújo da o nome de visão metonímica, que é justamente considerar que algo que é efetivo e benéfico em um lugar, com uma cultura, também irá funcionar em todos os lugares do mundo. Desse modo, tal fenômeno pode ser observado nos procedimentos necessários para que haja a desapropriação de uma propriedade que não esteja cumprindo sua função social, que demandam enorme quantidade de tempo, o que contrasta com a realidade das famílias que ocupam tais propriedades, que não tem onde produzir seu próprio sustento, que não podem esperar os longos anos para que seja proferida uma sentença, pois a fome e a morte não esperam. Portanto, conclui-se que o argumento de necessidade de cumprimento do devido processo legal utilizada contra membros do movimento sem terra (MST), pelo Des. Luis Augusto Braga, no Agravo de Instrumento Nº70003434388, é complemente fundamento na ideologia do Norte, sem considerar que a realidade social do Brasil é diversa dos países nos quais ela foi desenvolvida: aqui, a miséria e a desigualdade social são reais e iminentes.

Ademais, o Des. Braga, único a votar em favor dos fazendeiros, direcionado pelo ponto de vista de homogeneidade do ordenamento, acuso os membros do MST de causarem insegurança social ao ocuparem as fazendas. Todavia, ao analisar sob o olhar das epistemologias do Sul, entende-se que o que este movimento faz é o contrário do que é acusado pelo desembargador, uma vez que buscam é gerar segurança social aqueles que foram menosprezados pelo Direito por não terem condições de se adequarem ao modelo capitalista de vida que o Direito do Norte impõe sobre as nações do Sul, lhes fornecendo o mínimo existencial para que possam viver de forma digna. Logo, se o local ocupado estava sendo usado de forma inadequada, não cumprindo com seu dever exercer a função social da terra, que é produzir em proveito da sociedade, não é ameaça a paz social ocupa-la, até que sejam realizados os procedimentos legais que tanto defendem as epistemologias do Norte, favorecendo, assim, a vida e o bem estar de inúmeras famílias.

Portanto, ao defender uma ecologia de direitos e de justiças, Sara Araújo estabelece que uma epistemologia não deve suprimir a outra, mas sim ambas exercerem influência na estruturação do ordenamento jurídico,como duas pontes que interligam as epistemologias dos dois hemisférios, fazendo com que ele tenha múltiplos pontos de vista em sua concepção. Também, é necessário enfatizar o ordenamento jurídico vigente não deve ser ignorado ou desconsiderado, mas sim interpretado de forma a contemplar as necessidades sociais do país, como ocorreu no caso citado, onde os desembargadores, por voto da maioria, decidiram deixar a posse da terra para aqueles que a ocupavam fazendo valer os dizeres da Carta Magna. Com isso, conclui-se que o Direito brasileiro ainda é saturado pelas epistemologias do norte em sua conjectura, mas que seus operadores, sobretudo aqueles das instâncias superiores orientam a sua interpretação, por meio da hermenêutica e outras técnicas jurídicas, visando se ater a realidade social que o país enfrenta, e não apenas ás duras, rígidas e restritivas letras da lei.

Júlia Veríssimo Barbosa - Direito ( Noturno)





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