domingo, 15 de setembro de 2019

Desigualdade e judicialização: o veneno e seu antídoto para a vida em sociedade


Em uma sociedade democrática, é defendida uma ideia de que nela todos tem ampla liberdade e, sobretudo, igualdade para fazer uso dessa liberdade. Todavia, Antoine Garrapon discorre em sua obra “O juiz e a Democracia” sobre como essa igualdade não é real, existindo grupos que possuem mais direitos que outros dentro de um mesmo grupo social. Assim, negligenciados pelo poder executivo na dimensão dos direitos concedido por ele a toda a população, esses grupos minoritário têm que buscar no Poder Judiciário o exercício de direitos essenciais à dignidade humana, dessa forma, dão vida ao processo de judicialização do Direito.
No presente, esse processo é cada vez mais vivenciado dentro de diversas instâncias dos tribunais, com maior destaque ao casos levados para a apreciação do Supremo Tribunal Federal (STF), para onde são levadas demandas de grupos que se veem à margem do Direito nacional, situação motivada por fatores por muitas vezes políticos, como ressalta Ingeborg Maus em “Judiciário como superego da sociedade”. Desse modo, à última instância da justiça brasileira foi levado o caso acerca da união estável homoafetiva, na forma da ADI 4.277, a qual foi considerada como constitucional e um direito de toda a população homoafetiva de forma unânime pelos Ministros. Ao analisarmos tal situação sob o ponto de vista de Garrapon, podemos ver que houve a tutela da sociedade pelo judiciário, uma vez que esta não viu outra senão esta alternativa para que pudesse ser feita universalidade de direitos, no caso, o de obter a união estável para todos os indivíduos, sem distinção de gênero ou orientação sexual.  
Ainda, cabe lembrar que o texto do Art.1723º do Código Civil, que trata das possibilidades de casamento, descreve casal como “união entre homem e mulher”, mas que o Ministro Ayres Brito, relator do caso, defende em seu voto como algo a ser interpretado na forma mais ampla possível, de forma a garantir o preceito constitucional de não discriminação e igualdade de direitos. Com isso, o ministro agiu de acordo com o que Garrapon entende como o papel fundamental de um jurista: o de utilizar-se de seus atributos intelectuais a fim de interpretar o Direito com o intuito de fazer a universalização dos direitos ser vigente dentro da sociedade. Por fim, o relator ainda chama a atenção para a necessidade do raciocínio antecipatório em um caso de concessão de direitos como esse, isto é, não se trata apenas de conceder a união estável aos casais homoafetivos, se trata também dos outros direitos de família, como adoção, ou sucessórios, como a herança, para que essa igualdade seja uma igualdade de fato e não apenas formal.
Contudo, essa judicialização não é visto como benéfica à sociedade por alguns estudiosos, como é o caso de Maus, que entende que esse processo apenas infantiliza os indivíduos, fazendo com que não mais ajam por si só, mas sim dependam sempre das sentenças dos juízes, que agem como os tutores dessa sociedade, um verdadeiro superego. Por isso, a autora entende que nessa atitude, o judiciário tornando-se autorreferente e se distanciando dos dizeres constitucionais, há um risco à democracia, pois os juízes passam a arbitrar sobre toda a vida em sociedade, podendo atender a interesses individuais, alertando, ainda, para a volta dos regimes autocráticos.
Porém, esse processo só passa a existir no momento em que parcelas da sociedade são negligenciadas pelo Estado e, por isso, uma vez que a Carta Magna brasileira tem como um de seus princípios fundamentais a igualdade sem distinção entre todos os cidadãos, não há porque questiona-lo, pois ele só faz com que ele se concretize. Portanto, ao tutelar a sociedade no que tange aos direitos fundamentais dos indivíduos, os juízes apenas ocupam o lugar dos juízes naturais, como os pais, a Igreja, como destaca Maus, tornando-se os tutores legais, com a vantagem de se basearem em um ordenamento comum para todos, fazendo realizar-se a universalização do Direito que tanto defende Antoine Garrapon. Dessa forma, coisas simples como casar-se, formar uma família e ter a liberdade de expressar sua forma de amar em público torna-se a realidade de todo e qualquer cidadão brasileiro e não apenas uma possibilidade para aqueles que se enquadram em um padrão conservador previamente definido.

Júlia Veríssimo Barbosa - Direito (Noturno)

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