segunda-feira, 16 de setembro de 2019

       Desde os primórdios da prática jurídica, vem se debatendo a questão sobre o grau de interseccionalidade quanto ao alcance da legislação nacional em relação aos decorrentes fenômenos sociais. Posto que a homoafetividade passe longe de ser um fenômeno recente, o surgimento de uma mentalidade ligeiramente mais receptiva às diferentes orientações sexuais é praticamente sem precedentes na sociedade brasileira. Com tais mudanças no plano social, é de se esperar que o Direito brasileiro siga logo atrás, porém, resguardadamente: As esperanças deveriam ser comedidas, considerando o conservadorismo nacional especialmente em matérias de sexualidade e gênero, herdado em grande parte do catolicismo ibérico. 


     Em um quadro de forte animação quanto a promoção das pautas LGBT+ não apenas em cenário nacional mas em mundo afora, a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.277 de 2011 tinha como objetivo inferir sobre a inconstitucionalidade do Art. 1723° do Código Civil de 2002, que afirmava que apenas a união (exclusivamente) entre homem e mulher constituía união estável, em claro contraste com a constituição, especialmente quanto ao inciso I do Art. 5°. Embora a letra do artigo em si se mantém em status quo ante, o STF declarou procedente a ação por unanimidade, assim conferindo a interpretação conforme a CF ao artigo a fim de oferecer o direito da união estável aos casais homoafetivos, que traz como consequência diversos reconhecimentos legais, tal como a garantia da resguarda jurídica quanto às relações patrimoniais do casal e a eventual conversão da união estável em casamento de fato.

Ao analisar as repercussões sobre uma mudança social no Direito em si, o quadro da ação discutida se encaixa em uma das teses do jurista francês Antoine Garapon, principalmente a respeito da inter-relação entre o poder judiciário e sociedade: em uma sociedade crescentemente igualitária onde uma hierarquia vertical de autoridade moral passa a ser cada vez menos pronunciada, o cidadão passa a buscar apenas o instituto que tem de fato a "última palavra" nas decisões que influenciam o rumo social, no caso, o poder judiciário, para que se resolvam necessidades políticas que sejam julgadas urgentes pelo cidadão. De maneira complementar a Garapon, a jurista alemã Ingeborg Maus também postula sobre as possibilidades de um poder jurídico "inflacionado" pelo processo social descrito por Garapon. Para a jurista, um poder jurídico que se sustenta de exigências imediatistas pode acabar se corrompendo pela demagogia ao essencialmente atropelar o processo democrático, tornando-se até mesmo em um "para-leviatã": Um tirano autocrático e paralelo ao estado que se perpetua ao colateralmente enfraquecer os outros dois poderes.

Embora a clemência destinada à clamação de direitos por grupos sociais que se enxergam em situação de risco seja apreciada de um ponto de vista moral, deve se exercer cautela e visar certo grau de prática ortodoxa em relação a tais ações promovidas pelo judiciário, sendo o risco de um leviatã paralelo no poder não apenas real, mas sua incubação podendo se dar de forma tácita até que seja tarde demais para contê-lo.

Rodrigo Riboldi Silva
1° Ano - Direito - Noturno

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