sábado, 28 de setembro de 2019

Análise e Comentários da ADO n°26 á luz de Michael McCann


   O julgado em questão trata-se da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, número 26, do Distrito Federal, de Fevereiro de 2019, sob a relatoria do ministro Celso de Mello, que chegou ao Supremo Tribunal Federal por requerimento do Partido Popular Socialista contra o Congresso Nacional que, resumidamente, segundo o ministro Ricardo Lewandowski, buscava pela criminalização específica de todos os tipos de discriminação e violência contra a comunidade LGBT, devido à ordem constitucional de enquadrar tais práticas ao crime de racismo, presente no artigo 5°, inciso XLII, da CF/88, bem como as questões de discriminação que ferem direitos e liberdades fundamentais. Participaram da ADO, 12 Amicus Curiae, dos mais diversos tanto pró quanto contra.

   Inicialmente pensamos que devido à gravidade do assunto, deveria existir uma lei própria de criminalização para que tal grupo fosse protegido de forma mais eficaz e direcionada, haja vista as inúmeras situações em que sofrem discriminações, violências, homicídios, cometem suicídios, e dentre outros casos que infelizmente estamos cansados de ver em noticiários, em que os direitos fundamentais e a liberdade dessas pessoas, por ser quem são, são violados brutalmente.

   Porém, entramos em outra questão, a da mora por parte do Legislativo, que seria o responsável por levar essa ação ao STF, uma vez que há omissão por parte do Congresso, pois eles evitam discutir pautas como essa por motivos, valores e crenças pessoais, ainda sabendo do caráter inconstitucional de tais atitudes.  Dessa forma, tendo em vista a vulnerabilidade de tal grupo, colocar homofobia e transfobia junto ao crime de racismo, seria a maneira mais “rápida”, e menos burocrática, de levantar a questão de maneira a incitar algum tipo de resolução para o tema, e consequentemente diminuir os casos.

   Além disso, ainda que de forma diferente, em ambos os casos (tanto racismo quanto LGBTfobia), há a marginalização, opressão, fruto de um processo discriminatório histórico, e etc. Logo, tendo em vista os princípios da lei antirracismo, também podemos considerá-los nas questões de orientação sexual e gênero. Então, passando a analisar tais questões á luz de Michael McCann, temos algo que o autor diz em relação à atuação dos tribunais, que, de simplesmente ações como essa chegarem ao Supremo, já é uma prova do “protagonismo dos tribunais” na sociedade, (que também nos remete a algumas ideias de Antoine Garapon) fruto de uma provocação que vem de baixo (nesse caso a comunidade LGBT), em busca da atuação que vem de cima, dos tribunais (nesse caso os magistrados), provocação essa que surge de anseios sociais, buscando reconhecimento e visibilidade para a conquista de seus direitos através do Direito. Estando isso diretamente ligado ao conceito de McCann de “mobilização do Direito”.

   Ainda em relação ao conceito de “mobilização do Direito”, sob a análise do autor mencionado, segundo outro pensador utilizado por McCann, Frances Zemans, “A lei é mobilizada quando uma necessidade ou desejo é traduzido em uma reivindicação de lei ou afirmação de direitos legais” [...] “Ele desloca o foco dos tribunais para os usuários e utiliza o direito como um recurso de interação política e social”, tal proposição está intimamente relacionada a ADO em questão, pois é a partir desse “novo foco” nos usuários, que o direito passa a poder agir de acordo com as demandas vindas da base, como já mencionado anteriormente.

    Assim como McCann diz, “[...] os tribunais são importantes por configurarem o contexto no qual os usuários da Justiça se engajam em uma mobilização do direito”, demonstrando sua influência (ativa), uma vez que a questão da criminalização da homofobia de fato mobiliza o direito, e parte da necessidade de adequar ao ordenamento, ou melhor, de incluir, algo tão importante e de profunda relevância para o desenvolvimento social, nos levando a buscar uma hermenêutica jurídica que possa de fato compreender os anseios da sociedade, bem como, a aplicação, não apenas literal, de princípios fundamentais da Constituição Federal, reforçando mais uma vez a questão do “foco nos sujeitos sociais”. Porém, isso não anula o fato, que não podemos esquecer, de que os tribunais também são, segundo palavras do autor, atores num complexo circuito de disputas políticas.  

   Por fim, há algo importante em ressaltar, presente na seguinte ideia de McCann: “as ações dos tribunais fornecem diversos ‘precedentes’ estratégicos para as partes envolvidas em diferentes relações por toda a sociedade. Tais precedentes tornam-se ‘fichas para negociação’, resultantes de previsões sobre o que as partes conseguiriam se fossem parar nos tribunais ou diante de outras autoridades jurídicas.” Quando há legitimação de lutas como essa por meio de instâncias como o Supremo, permite-se que outras pautas possam ser levantadas pela sociedade (também relacionado à ideia do “tribunal como catalizador da ação político-social” do mesmo autor) e levadas para que ganhem as devidas proporções jurídicas e possam dar visibilidade para os grupos marginalizados, minoritários, que enfrentam lutas diárias muito mais complexas, que vão além da discriminação, dos preconceitos, mas perpassam por todos os aspectos da vida, principalmente psíquicos.

    Pois em um dos países que mais mata população LGBT, que mata mais homossexuais do que países os quais criminalizam e punem essas relações, onde as taxas de suicídios são muito elevadas e dentre inúmeras outras estatísticas, ainda que do ponto de vista legal estejam “amparados”, que, mesmo que haja uma lei exata que determine seus direitos ou criminalize os atos que divergem a eles, que exista a CF que vai muito além do texto normativo, na prática não é assim que ocorre, a sociedade não muda de uma hora para outra, e como mencionado inúmeras vezes na ADO, devemos buscar uma mudança cultural e valorativa, juntamente a medidas legais que possam explicitar a gravidade, para que paulatinamente vá havendo as mudanças buscadas.


Letícia E. de Matos
1° ano - Direito Matutino 

Nenhum comentário:

Postar um comentário