domingo, 29 de setembro de 2019

A influência dos Tribunais na mobilização do direito e nas mudanças paradigmais


O presente julgado trata da Ação Direta de Inconstitucionalidade Por Omissão (26-DF), teve como relator o Min. Celso de Mello e como parte requerente o Partido Popular Socialista contra o Congresso Nacional, em que se buscou, segundo o Min. Ricardo Lewandowski, “[...] obter a criminalização específica de todas as formas de homofobia e transfobia, especialmente das ofensas, dos homicídios, das agressões e discriminações motivadas pela orientação sexual e identidade de gênero, por ser isto decorrência da ordem constitucional de legislar relativa ao racismo (art.5º,XLII), subsidiariamente, às discriminações atentatórias a direitos e liberdades fundamentais (art.5º,XLI, CF.88) [...]”. O processo teve a participação de 12 entidades que entraram como Amicus Curiae, algumas delas: Grupo Gay Da Bahia-GGB;  Associação De Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis E Transexuais- ABGLT; Grupo De Advogados Pela Diversidade Sexual-GADVS e Associação Nacional de juristas evangélicos-ANAJURE.

A decisão dos Ministros do  Supremo Tribunal Federal foi de dar provimento as impetrações e de enquadrar as práticas e condutas discriminatórias de homofobia e transfobia como crime de racismo. A determinação do STF gerou deveras críticas em relação a possível descumprimento do princípio da legalidade e preocupação de que o judiciário ao adotar tal posição estivesse exorbitando suas funções. Porém, esses argumentos contrários não demonstram ser validos uma vez, que tanto a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão quanto o Mandado de Injunção são instrumentos jurídicos previstos na Constituição Federal de 1988, que possuem o objetivo de questionar a omissão do Poder Público. Além disso, é legítimo conferir interpretação de acordo com a Constituição, ao conceito de crime de racismo estabelecido na Lei 7.716, interpretando o conceito ontológico-constitucional de racismo como abrangido as discriminações em relação a orientação sexual e de gênero.
Os grupos de lgbtqi+ e transsexuais são minorias, vítimas constantes de preconceitos, discriminações, violências, e dessa forma demandam de proteção especial do Estado, assim, a criminalização de comportamentos discriminatórios  é primordial  e um passo obrigatório. Está disposto claramente na Constituição Federal de 1988 em seu Artigo 5º, XLI: “ A lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdade fundamentais”. Nesse sentido para que a justiça seja concretizada é necessário legislar a esse espeito e, enquanto o Congresso Nacional se omite cabe ao Poder Judiciário reinterpretar a partir de um processo de historicização da norma, em que adapta as fontes a circunstancias inéditas, descobrindo uma nova exegese. 
Trazendo para a discussão o conceito de Imperativo Categórico de Immanuel Kant relacionando-o com o julgado  e o princípio universal do direito, enuncia-se que “é justa toda ação que permite, ou cuja máxima permite, que a liberdade de arbítrio de cada um coexista com a liberdade dos outros [...]”. Dessa maneira,  entende-se que a justiça é alcançada quando um ato que fere a liberdade e autonomia do outro  é impedido , sendo a criminalização um meio para isso.
Apesar do exposto, existe quem defenda que a decisão de criminalizar  não será efetiva, haja visto que o racismo ainda existe mesmo criminalizando a conduta. Analisando o processo de aplicação de legislações e criação de acórdãos direcionadas à grupos  historicamente subjugados, pela perspectiva de  Michael W. McCann (Poder Judiciário e a mobilização do direito: uma perspectiva dos “usuários”)  visualiza-se que os Tribunais com suas decisões geram um estopim de mudanças sociais e paradigmais. Diante da afirmativa de McCann de que “a interpretação constitucional dos tribunais afirma visões de uma boa e legitima sociedade, visões que outros são encorajados a aceitar” podemos refletir que a decisão de criminalizar a homofobia e a transfobia, tipificando os atos discriminatórios contra pessoa por conta de sua orientação sexual e ou  identidade de gênero como crime de racismo, pode engendrar na sociedade brasileira a consciência que todos independente de qualquer coisa possuem o direito de igual participação na vida social.
Em situações polêmicas como a que se apresentada fica evidente a importância dos tribunais na mobilização do direito por grupos sociais, em especial os minoritários, e a relevância que o STF possui ao influenciar estratégias políticas estimulando respostas positivas dos entes e dos cidadãos que não estão diretamente relacionados ao caso (P.187). O excerto do texto de McCann  trazido adiante demonstra os aspectos positivos  decorridos dos tribunais: 

“Convenções jurídicas (...), apreendidas, internalizadas e normalizadas pelos cidadãos através de muitas formas de participação cultural – educação formal, comunicação de massa, cultura popular, experiências pessoais diretamente dentro das definições institucionais legalizadas. E, nessas formas, os conhecimentos, convenções e justificativas legais fundamentais transmitidas pelos tribunais são reproduzidos e reforçados no interior de múltiplas práticas, relações e arranjos que estruturam a vida diária por toda a sociedade.” (P.191).

Em suma os Tribunais quando atuam nessas disputas conseguem trazer  maior visibilidade para para a questão na agenda política; e fortalecem a democracia, pois o acesso as instituições  judiciais enseja que os indivíduos busquem por seus direitos, e possibilita que os tribunais exerçam uma justiça social, aumentando a equidade e garantindo os direitos legais de sujeitos que se encontram em um Sul epistemológico, ou seja, em espaços marginalizados.

Lívia Alves Aguiar,  Direito- Matutino 1º Ano

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