sexta-feira, 30 de agosto de 2019

Direito do Sul do mundo

Artigo II da Declaração dos Direitos da Virgínia: "Que todos os homens são, por natureza, igualmente livres e independentes, e têm certos direitos inatos, dos quais, quando entram em estado de sociedade, não podem por qualquer acordo privar ou despojar seus pósteros e que são: o gozo da vida e da liberdade com os meios de adquirir e de possuir a propriedade e de buscar e obter felicidade e segurança." Esse artigo demonstra o quão liberal era o pensamento estadunidense desde a busca por sua independência do Reino Unido. Com a posterior ascensão dos Estados Unidos à potência mundial, seus preceitos foram transmitidos como valores universais, sendo seguidos cegamente por -principalmente os ocidentais- que almejavam o desenvolvimento e o alinhamento com o pensamento moderno. A consequência disso foi o abandono das realidades locais e dos direitos instituídos conforme a demanda de cada povo.
Segundo Sara Araújo esse abandono se deu pelo fato de existir uma linha abissal, que dividiria o mundo em dois lados, um alinhado ao direito moderno e, portanto, civilizado, e o outro lado, que por não seguir o "ideal universal" é taxado de atrasado, excluído do mundo. Quanto a essa universalização desse direito, a autora afirma haver uma monocultura jurídica, o que leva às decisões judiciais a seguirem uma lógica capitalista proveniente do Norte, buscando uma resolução mais lucrativa economicamente. 
O julgado da Fazenda Primavera dando ganho de causa ao MST chega a ser surpreendente, em meio a tantos outros que decidem a favor do proprietário da terra -independente de ela estar ou não cumprindo sua função social. O resultado obtido converge com o ideal de direito defendido por Sara Araújo de uma ecologia de direitos e justiças e uma epistemologia do Sul, isso porque a decisão se pautou na realidade brasileira em conformidade com a Constituição Brasileira que prevê a reforma agrária, a prevalência dos direitos humanos sobre os de propriedade, a função social da terra, levando em conta, ainda, a enorme desigualdade social existente no país e o descaso do Estado que, desde a implantação da Constituição de 1988, nada (ou pouco) fez para tentar sanar a disparidade entre latifundiários e indivíduos que buscam somente um pedaço de terra para poderem sobreviver.
Mesmo sendo um resultado isolado, dentre milhares de outros que dele divergem, é inegável a relevância que tem na busca de uma verdadeira justiça, contribuindo para o desvencilhamento da monocultura jurídica ocidental, valorizando o direito adequado ao ambiente brasileiro, cultivando e irrigando as epistemologias do Sul.

Caroline Kovalski, 1º ano, Direito noturno.  

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