terça-feira, 2 de abril de 2019

O uso da ciência para o gerenciamento do fascismo



   Segundo Descartes, o mundo se assemelha a uma máquina, ou seja, a junção de todos os componentes necessários para o seu funcionamento estão inter-relacionados e, portanto, uma mudança nessa conjuntura pode resultar em uma alteração na sociedade. O chamado neofascismo, contemporâneo a diversos cenários políticos em âmbito internacional (seja na Europa, nos EUA ou até mesmo no Brasil), se baseia, sobretudo, em uma lógica de "correção da sociedade". Fortemente moralista, conservadora e antirrevolucionária, essa expressão busca convencer os cidadãos de que há um inimigo comum que impossibilita o progresso da nação, seja um partido, um grupo étnico ou um comportamento. Logo, o processo para se alcançar o fim idealizado pelos fascistas, além de possuir uma abordagem de manipulação possível somente com o uso das tecnologias científicas, consiste na eliminação absoluta e autoritária desse inimigo e na inserção de novas engrenagens na "máquina" que seria o mundo.

   Com isso, a ciência torna-se uma ferramenta importante para a ascensão de movimentos extremistas, como o neofascismo, uma vez que seus discursos giram em torno de acusar a oposição (neste caso, as "peças" atuais da máquina) por alguma situação de crise na sociedade e propor uma outra visão de mundo e de organização social ("peças" novas a serem inseridas) pautada no sectarismo e na concepção de que determinados grupos da sociedade não são dignos de direitos.

   Em analogia à ideia de torturar a natureza para se obter seus segredos, presente na literatura baconiana, os projetos neofascistas visam a dominação da natureza em um sentido amplo, o que inclui, por consequência, os seres humanos. O atual governo de Jair Bolsonaro, cujo período eleitoral anterior à vitória do candidato foi marcado pelos elementos básicos que configuram o fascismo, como o nacionalismo exacerbado e os discursos de ódio, demonstra uma característica típica de dominação moderna: a eliminação de direitos, a exemplo da chamada Reforma da Previdência, medida proposta pelo governo para o aumento da exploração da mão de obra humana, justificada sua necessidade com base em estatísticas econômicas que supostamente indicam um "déficit" nos cofres públicos. Mais uma vez, a abordagem científica foi utilizada por neofascistas para a tentativa de implementação de suas propostas antipopulares e que priorizam os interesses das camadas mais ricas da sociedade.
   Diante disso, pode-se dizer que a aplicação das ciências de uma forma geral, seja na área bélica em que atuou o nazismo com suas inovações tecnológicas genocidas ou na área da ciência política em que atuou Bolsonaro com sua propaganda empírica, contribuíram no passado e continuam contribuindo para a ascensão e a estabilização de governos autoritários, uma vez que as técnicas desenvolvidas nas campo da medicina, da filosofia, da psicologia ou qualquer outra que seja, quando introduzidas na sociedade, alteraram as "engrenagens" que constituem a "máquina do mundo", podendo levar desde crimes humanitários até a desequilíbrios ecológicos. A dificuldade está, justamente, na conciliação do uso das técnicas científicas e dos processos de transformação social, combinação a qual pode ser utilizada tanto a favor quanto em oposição aos modelos autoritários.
   Durante toda a sua campanha, Jair Bolsonaro associava a responsabilidade perante a crise pela qual passava o país ao Partido dos Trabalhadores (PT) e, conforme o decorrer dos meses e seu crescimento nas pesquisas eleitorais, a imagem do partido foi deteriorada, estando o termo "petista" sujeito a uma conotação muito diferente daquela tida por outros partidos, como "psdbista" ou "pesselista". Trata-se de um caso típico da criação de um ídolo do foro na política, isto é, a "culpa" por todas as mazelas da sociedade brasileira foi atribuída a um único ente de maneira empírica, ressaltando diariamente quais eram os responsáveis pela crise e, desse modo, alienando a população através do pensamento de que a corrupção, o recesso econômico e demais fatores estavam ligados direta e exclusivamente aos “inimigos da nação”, neste caso, “os vermelhos”, expressão com a qual Bolsonaro designava toda e qualquer ideologia que não fosse convergente ao seu projeto direitista reacionário.

Luiz Carlos Ribeiro Júnior - Direito Noturno

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