quarta-feira, 27 de março de 2019

A importância da experimentação na convivência em sociedade


A construção da sociedade brasileira contemporânea se pauta no princípio da isonomia. Foram necessários muitos séculos para que esse ideal se concretizasse, e ainda assim, muitos negros ainda sofrem com a realidade na qual o preconceito racial é latente. 
No início da formação da sociedade brasileira, os negros eram vistos como seres “sujos” e inferiores, e por muito tempo, eles foram subjugados e postos em condições sub-humanas. A conquista da liberdade física só ocorreu no final do século XIX, com a promulgação da Lei Áurea, porém, não houve auxílio do governo e aquela sociedade com um ideal já estruturado não ofereceria emprego a ex-escravos, sendo assim, a população negra continuou aprisionada ao racismo.
Além disso, a reforma urbana que visava a “adequação” da cidade do Rio de Janeiro para os imigrantes europeus fez com que a população negra fosse realocada para a periferia. Em situação de vulnerabilidade econômica, muitos se impuseram a contribuir com a violência urbana, aprofundando ainda mais o ideal marginalizado do negro.
Isso foi se arrastando através das gerações, sendo visto como algo comum, até que no século XX, com o avanço no sistema de comunicação, figuras de representatividade começaram a surgir e a darem voz ao início do processo de luta pela igualdade. Um dos maiores progressos do Brasil em relação a isso foi o artigo 5° da Constituição Federal de 1988 onde declara que todos são iguais perante a lei.
A luta pela igualdade social continua sendo travada, pois o trabalho da mídia de reproduzir as notícias que marginalizam a população negra é constante, e somada ao treinamento da segurança pública, o racismo se difunde ainda mais na sociedade. A forma como a visão do negro foi construída é explicada pelas teses debatidas pelos filósofos René Descartes e Francis Bacon acerca da razão e da experiência na interpretação do mundo, e o entendimento da raiz da questão é o gatilho para mudanças efetivas.
Muitas obras contemporâneas expõem e questionam a conduta retrógrada da sociedade. O autor Alexandre Beck retrata, em duas tiras de Armandinho, situações cotidianas em que o racismo está presente.
Na linha de pensamento de Descartes, todo o ser humano, em sua essência, possui razão, porém, o caminho pelo qual direcionamos nosso pensamento é diferente, ou seja, relacionando com a primeira tira, a atitude do policial em relação à Camilo é irracional, pois o tratamento para com os dois garotos deveria ser equivalente. E na segunda tira, Camilo seguiu por um caminho também irracional, levado pela suposição – advinda da experiência – do que o policial poderia interpretar ao vê-lo correndo até a colega.
Porém, pelo empirismo Baconiano, existe aquilo que o filósofo nomeia de ídolos (falsas percepções do mundo). Isso é exemplificado nas tiras, onde pode-se interpretar que, ao pedir a nota fiscal, a construção do pensamento do policial foi influenciada pelos “ídolos do foro” – influência da associação dos indivíduos –, e ao mostrar a nota fiscal na primeira tira e evitar a corrida até a colega na segunda, Camilo demonstra a atuação dos “ídolos da caverna”, que são aqueles que se vinculam à formação e educação do indivíduo, pois crescendo nessa sociedade que marginaliza a cor de sua pele, o garoto consegue ter uma imagem do pensamento do policial.
Além disso, a tese de Bacon da necessidade da razão com a experimentação também é presente na tira, pois Camilo já tinha conhecimento prévio das consequências da interpretação do agente, enquanto Armandinho não tinha uma visão dessa realidade, e já dizia Aristóteles, filósofo da Grécia Antiga, que "nada está no intelecto sem antes ter passado pelos sentidos”.
Desta forma, é possível concluir que a tese de Descartes pode auxiliar no combate ao preconceito racial, porém a convivência em sociedade e o desenvolvimento da mesma exige algo além do racionalismo, pois o uso apenas da razão torna as ações e o mundo insensíveis. Com o empirismo de Bacon é possível acreditar que, um dia, será surreal imaginar que uma criança, muito antes dela se descobrir, já possui a noção das maldades que terá de enfrentar por simplesmente dispor de mais melanina do que outros indivíduos.

Daiana Li Zhao 
1º ano - Direito Matutino

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