terça-feira, 26 de março de 2019

A falta que o método faz


Nos Estados Unidos, uma tecnologia muito utilizada nos tribunais para o julgamento dos casos são os algoritmos. A proposta dessa técnica é utilizar dados e fazer cálculos para dar sentenças mais adequadas aos réus e, com isso, dinamizar o sistema de justiça, tirando a carga dos juízes. Porém, o que realmente acontece é que esses sistemas cometem o mesmo erro dos humanos: as penas para pessoas negras são, em sua maioria, muito mais rígidas que as penas dadas a pessoas brancas. O algoritmo tornou-se racista porque foi alimentado com dados de uma sociedade preconceituosa. A inovação tecnológica, que devia representar o avanço, carrega um atraso e um anacronismo porque quem a fez poderia até ser um bom matemático, mas era um péssimo cientista social.
Se esse programador tivesse estudado a metodologia que Descartes criou em sua obra Discurso do método, ele saberia que, antes de inserir os dados no sistema, deveria livrar-se de todos os seus costumes de sua sociedade (que é racista) a fim de fazer uso adequado de sua razão. Em seguida, ele teria de duvidar, ou seja, fazer perguntas inteligentes, como “por que a população negra é mais encarcerada que a branca? ”. Uma hipótese poderia ser que a polícia tende a revistar essas pessoas muito mais, ou que a justiça estadunidense privilegia um tipo de cidadão. A partir dessas repostas, essa pessoa iria chegar à conclusão de que a sociedade é racista, portanto, os dados precisariam ser analisados antes de serem incluídos no sistema da máquina, para que os avanços conquistados ficassem firmados em bases sólidas e não em terrenos sem firmeza.
Se o programador preferisse outra perspectiva, ele poderia valer-se do método que Bacon criou na obra Novum Organum. O primeiro passo seria reunir informações particulares da sociedade, como, por exemplo, que pessoas negras, mesmo qualificadas, são menos contratadas que pessoas brancas e que as mulheres negras têm maiores índices de mortalidade no parto porque os médicos as tratam com mais desleixo. A partir dessas descobertas e a análise da relação entre elas, iria emergir a generalização de que a sociedade é racista, e, por consequência, seu sistema de justiça é também. Alguns obstáculos, porém, poderiam aparecer no caminho dessa investigação e Bacon chamou-os de ídolos. Existem quatro tipos de ídolos, porém, usarei de exemplo o da caverna. Esse ídolo é particular de cada ser humano e está relacionado com o hábito que temos de nos ilharmos em nossas vivências e perspectivas e nos esquecermos do resto do mundo. Um exemplo claro é a pessoa branca privilegiada que, por não viver a realidade do racismo, acaba negando a sua existência. Isso é, inclusive, uma falta de empatia, que infelizmente está muito presente na sociedade capitalista.
Portanto, com o uso de ambos os métodos (que, a propósito, existem desde o século XIX), a conclusão da análise é a mesma: o racismo é estrutural na sociedade e continua sendo perpetuado por diversas instituições, como a polícia e os tribunais. Se, no caso do exemplo citado, esse programador tivesse dado alguma atenção para a questão social e feito uma dessas pesquisas, os efeitos do racismo no sistema penal estadunidense teriam sido atenuados, e não perpetuados, modificando a situação injusta vigente até o momento, o que, afinal, é o objetivo da ciência.

Sofia Foresti Pequeno, Direito noturno

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