segunda-feira, 11 de junho de 2018

Entre o tecnicismo alienante e o moralismo individualista


Pierre Bourdieu é um expoente francês da sociologia e possui uma atuação extremamente reflexiva no âmbito do direito. Suas ideias moldam um direito complexo dotado de uma característica peculiar exemplificada pela sua permanência no meandro entre a lógica e a ética e a definição de “habitus”. Desse cenário surge o debate acerca da ADPF 54 referente ao aborto de anencéfalos e sua argumentação pode ser feita sobre a luz desta postura mediana e baseada na terminologia criada pelo autor.
No Código Penal artigos como o 124 elencam o aborto como crime e merecedor de pena carcerária. Dessa forma, interromper uma vida intrauterina com capacidade de vida torna-se assassinato aos olhos da lei. Porém, está norma foi redigida no ano de 1940 e toda a sua sistemática foi concebida através de uma visão de sua época revelando-se atrasada para a quadra atual. Tal senão faz-se presente na questão dos fetos anencéfalos, visto, como relata o Ministro Barroso em sua sustentação oral,  o lei define aborto como a interrupção de uma possibilidade de vida e o feto anencéfalo é incompatível com a manutenção da vitalidade, ou seja, a morte é certeza neste caso. Aliado a este ponto, tem-se o fato do imaginário social ser pautado em um maniqueísmo institucional que estipula uma visão moralista do caso da ADPF 54. Todo ser humano possui essa visão dicotômica entre o certo e errado e acaba por julgar situações complexas com um parecer reducionista. No fim, uma situação delicada que acarreta em um desgaste físico e psicológico à mulher – todo o processo de uma gravidez irá ocorrer, porém a criança terá seu parto como seu próprio algoz – acabam por ser dosados pela visão individual de grupos que julgam-se corretos. No fim, o primeiro cenário mostra-se como algo meramente técnico e degrada-se em anacronismo e o segundo revela o apelo do direito somente ao aspecto ético, ou seja, um moralismo retrogrado e prejudicial.
Porém, como mencionado na introdução do texto, Bourdieu menciona o direito como o fruto do equilíbrio entre o técnico e o decente. Para tanto, o magistrado precisa equilibrar a decisão entre esses dois binômios, por meio de uma reflexão interligada com a realidade. Este ato dar-se através da percepção da realidade social condicionada pela própria sociedade denominada “habitus”. Assim, através do habitus e do seu conhecimento técnico o jurista poderá julgar de forma próxima da realidade pertinente, mas com um viés técnico do direito. No fim, o equilíbrio definido por Bourdieu como direito seria possível e, no caso da ADPF 54, a decisão não seria voltada para o exato positivado ou para o senso comum conservador.
Em síntese, a não criminalização de um aborto de um anencéfalo faz-se, além de justa, coerente. Sobre a ótica de Pierre Bourdieu, percebe-se que o direito precisa ser pensado de forma ponderada, reflexiva e correspondente à realidade evitando o pesar de uma decisão tecnicista ou retrógrada.


Matheus Faria de Souza Paiva - Turma XXXV - diurno

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