segunda-feira, 11 de junho de 2018

Bourdieu e o aborto de anencéfalos


         A legislação brasileira criminaliza o aborto, desde que a gravidez não seja oriunda de um estupro ou que implique em risco à vida da mãe.
        Em 12 de abril de 2002, o Supremo Tribunal Federal decidiu pela legalização do aborto em caso de fetos anencéfalos, ou seja, sem formação cerebral. Argumentando sobre a impossibilidade de sobrevida do feto fora do útero e os riscos à saúde física e psicológica que a mulher enfrentaria caso mantivesse a gravidez, os juízes usaram da hermenêutica jurídica para tomarem uma decisão final.
       O filósofo francês Pierre Bourdieu, em sua obra “A força do direito: elementos para uma sociologia do campo jurídico”, bem colocou que tais operadores do direito, que “realizam atos de jurisprudência e contribuem para a construção jurídica”, devem, através dessa mesma hermenêutica, usar da neutralidade e universalidade racionais para tornar esse campo jurídico funcional. Se analisarmos o processo jurídico que culminou na legalização do aborto para fetos anencéfalos, perceberemos a neutralidade dos ministros na tomada da decisão final a universalidade que a nova lei traz consigo, atingindo mulheres de todo o país e ambos sendo possíveis por meio da interpretação que os juízes deram à lei e seus conhecimentos fora da área jurídica, como o da medicina, por exemplo.
      É importante ressaltar ainda que, detentores de um poder simbólico, segundo o mesmo filósofo citado acima, ministros do STF ou qualquer outro operador do direito, um advogado ou um juiz, operam no campo jurídico e compartilham entre si um mesmo habitus, ou seja, características comuns que derivam de um mesmo estilo de vida, vestimenta, fala e comportamento, o que acaba por unir forças até mesmo concorrentes. Entretanto, aqueles que carregam consigo uma bagagem econômica, cultural e científica maior, tendem a se destacar em meio aos outros. Daí, como bem diz Bourdieu, “a pouca probabilidade de desfavorecimento dos dominantes”. Apesar dessa máxima, o francês rejeitava o direito como mero instrumento de classe e afastado das pressões sociais externas. Para ele, o direito deve moldar os modos de conduta dentro da sociedade e deve, necessariamente, abranger os preceitos lógicos e éticos da época, não podendo ser considerado apenas como uma ciência.
     Dentro dessa lógica, a decisão dos ministros do STF em abril de 2002 representou o começo do que parte da sociedade, principalmente as mulheres, almejavam: o direito sobre o próprio corpo e o direito de escolha. É importante destacar, entretanto, que muitos passos ainda devem ser dados, afim de garantirmos plenamente os direitos das mulheres, no que diz respeito ao seu corpo e suas escolhas.  

Tainah Gasparotto Bueno – Direito Matutino, turma XXXV

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