sexta-feira, 8 de junho de 2018

A instrumentalidade da linguagem aplicada ao direito concreto

Nem o instrumentalismo e nem o funcionalismo das visões kelseniana e marxista foram capazes de completar o sentido do ordenamento jurídico. Basear-se exclusivamente num universo positivo rígido ou em um materialismo histórico que apenas indica o direito como objeto de manutenção de poder. O direito deve ser pensado além dessas duas perspectivas, considerando o corpus que se dá através da teoria e da prática e, hodiernamente, da interpretação dada pelos sujeitos de direito.
Essa interpretação concerne à linguagem jurídica impessoal e neutra utilizada para embasar decisões e normas jurídicas. Além da interpretação, a luta simbólica que se revela entre o conteúdo prático da lei é resultado de uma luta entre os profissionais dotados de competência técnica e social, gerando desigualdade de mobilizações.
Apesar de existirem diversas interpretações, estas são monopolizadas pelo poder judicial, já que o direito produz efeitos por si só e faz o mundo social, sem deixar de lembrar que é feito por este. Dessa forma, o trabalho jurídico se manifesta na subtração das normas de uma ocasião particular, fixando uma decisão modelo. Pode-se considerar, portanto, as decisões judiciais como um mecanismo de universalização que exerce dominação simbólica, através de regras e princípios oficiais.
 Para que o direito cumpra seu papel de exemplo ele deve rejeitar a conceito de ser constituído como instrumento de dominação e também como construção alheia à pressão social. O processo histórico, o conflito de competências e as obras jurídicas que delimitam o espaço dos possíveis são essenciais para a formação do direito concreto. Assim, a interpretação da ordem jurídica possui certos limites mediante a realidade.
Além disso, os doutrinadores  e os operadores do direito são de suma importância para que se entenda esse conflito de competências estabelecido por Bordieu. Um sistema que se entregue apenas aos doutrinadores corre o risco de se fechar de maneira que passe a deixar de ser influenciado pelas realidades e ocasiões concretas.
O julgamento de temas conflitantes na sociedade exige o trabalho conjunto desses doutrinadores e dos operadores do direito. A aplicação simplesmente do campo teórico à situação particularizada exprime aquela lei universal e impessoal, desprovida de peculiaridades necessárias e apresentadas pela realidade. Dessa forma, ao discutir-se judicialmente a questão do aborto de fetos anencéfalos, a simples aplicação e subsunção da lei positivada não é suficiente para a solução do conflito. A oposição entre os votos dos ministros pauta-se também nessa competência do Judiciário decidir caso que ainda não foi transformado pela lei, ou, conforme aponta Bordieu, o direito não se deixou modificar pela prática.
Além disso, a discussão desses doutrinadores e operadores, utilizando dessa interpretação e linguagem estranha à maioria que seria atingida pela decisão judicial que previsse a procedência do aborto, não é eficaz e não alcança com clareza as famílias e os indivíduos que carecem dessa decisão em específico. Invocar o ordenamento jurídico e não a realidade social nem sempre é a melhor solução, mas sim uma solução kelseniana, a qual aqui refuta-se.

A competência do legislativo e do judiciário aglutinam-se mediante tais casos, que necessitam da junção entre os operadores e doutrinadores, para que a interpretação dada à realidade corresponda aquilo que o direito deve ser, histórico e conforme a realidade.




Heloise Moraes Souza - Diurno

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